sexta-feira, 5 de junho de 2009

A TERRA É AZUL!

Por Haroldo Saboia

“A terra é azul!”. Anunciou, em 12 de abril de 1961, Yuri Gagarin o primeiro astronauta, o primeiro homem a viajar pelo espaço. Seu feito segue uma longa trajetória da Humanidade desde os antigos gregos, com o mito de Ícaro, caído ao mar com suas asas de cera derretidas; aos projetos extraordinários de Leonardo Da Vinci, na Renascença; até o nosso Santos Dumont conseguir levantar do solo por segundos seu 14 Bis, no início do século XX.

A história da aviação sempre fascinou a todos. Quem não se lembra da comédia inglesa, de 1965, com o ator italiano Alberto Sordi, dirigida por Ken Annakin, “Esses Homens Maravilhosos e suas Máquinas Voadoras”?

Fascínio e tragédia. O homem cada vez mais em busca de construir aparelhos seguros, ora com sucessos fabulosos, ora com acidentes desoladores.

O desastre do avião Airbus Air France no domingo com mais duzentos e dezesseis passageiros e doze tripulantes a bordo comoveu o mundo inteiro. (O único acidente com um Air Bus 330 anterior a este foi em 1994, em fase de teste, sem passageiros, apenas com membros da equipe).

Passageiros e tripulantes de 32 nacionalidades: vítimas de todos os continentes, de todas as idades, das mais diversas atividades profissionais.

Juliana, 29 anos, formada em música pela UnB, trabalhando havia seis anos na Alemanha, de retorno após visitar a família em Brasília. Adriana, jornalista, funcionária da Petrobrás em viagem, a trabalho, à Coréia. Leonardo, 31 anos, brasileiro, oceanógrafo, residente na Holanda, que veio para sua festa de noivado. Ana Carolina e seu marido Gabriel, que trabalhavam na ONG Viva Rio no combate ao tráfico de armas e drogas. João Marques, pernambucano, operário de um estaleiro no Rio, e até um descendente de Dom Pedro II, Pedro Luis, 26 anos.

E muitos, muitos outros. Quantos sonhos, quantos desafios. Muitos, talvez a maioria, viajando a trabalho - ou melhor, dada a dimensão da crise econômica mundial - para não perder o emprego. Com certeza, para o maior número de passageiros Paris - a bela e luminosa Paris, em plena primavera - era mero ponto de conexão e não o destino final.

Algumas vezes, tive a oportunidade de observar, por exemplo, em voo de São Paulo para o aeroporto suíço de Zurich sempre uma grande quantidade de brasileiros descendentes de japoneses (fato não observado neste caso). Eram os decasséguis: brasileiros descendentes de terceira ou quarta gerações de japoneses que trabalham no Japão e constituem uma população, seguramente, superior a 600 mil.

E por que fazer o trajeto São Paulo-Tóquio via Europa? É que os EUA, a partir de Bush, exigem de todos os passageiros estrangeiros visto de entrada mesmo que seja para uma simples escala de duas ou três horas. Quanta estupidez!

Mas o que realça na lista dos passageiros deste voo da Air France é a multiplicidade de situações. Brasileiros que trabalham fora do país nas mais diversas, e qualificadas, atividades. Estrangeiros radicados em nosso país movidos pelo trabalho e/ou laços familiares.

Há um caso em que um suíço-alemão, nascido no Brasil, e adotado por um casal europeu veio visitar pela primeira vez sua terra natal. Outro, único membro estrangeiro da tripulação francesa do avião da Air France era brasileiro; são sessenta os brasileiros que trabalham na empresa, em Paris.

Comovente, igualmente, o episódio dos três italianos, Rino, Giovanni e Luigi, membros de uma associação de solidariedade, que vieram ao nosso país com recursos e donativos às vítimas das enchentes de novembro de 2008, em Santa Catarina.

Toca-me, de modo especial, o caso do casal de suecos que viajava sempre em voos diferentes. Neste caso, o pai seguiu antes com uma filha de três anos enquanto a esposa, Christine, de 34 anos, com o filho Philippe, de 5 anos, foram no voo da Air France. O encontro que teriam em Paris foi substituído pelo estupor da noticia...

Isto me faz lembrar a sábia decisão de meus pais, José e Iracema, que nunca viajavam na mesma aeronave: alguém teria que ficar para educar os filhos... Precaução maior só a do nosso estimado Oscar Niemeyer, saltitante às vésperas de completar seus 102 anos, sempre com os pés na terra; tomar um avião, nem pensar!

Para todos, seguidores de Niemeyer ou não, resta o sofrimento que uma tragédia desta impõe. Lembrar fatos que marcaram nossa cidade, nossas vidas, e que guardamos, ao longo do tempo, na memória. O mais antigo talvez seja a morte da jovem Maria de Lourdes Rezende, estudante do Colégio Santa Teresa, vítima de um acidente no Aeroporto de Recife procedente de Lisboa, provavelmente em 1961. O deputado Miguel Bahury, maranhense, em acidente na ponte aérea Rio-São Paulo poucos meses após sua esposa ser vítima de desastre, no mesmo trecho, praticamente nas mesmas circunstâncias. E o impacto causado pelo monomotor que, após estolar, explodiu na Ponta da Areia levando o meu amigo Miguel Damous. Ou a morte, em Santa Luzia, do estimado comandante Gaudêncio.

Também impossível esquecer os momentos que passei, em 1974 - logo depois da Revolução dos Cravos - quando na primeira fila de um velho Boeing, no trecho Paris-Porto, enfrentamos uma fortíssima turbulência já próximo à chegada.

Como não conseguia disfarçar o medo, que assumia ares de desespero, para logo evoluir ao pavor e pânico - o meu vizinho começa a entabular conversa, pergunta se eu estava sentindo algum mal-estar ou coisa que o valha. Respondi-lhe, com franqueza:

- Morro de medo de avião.

-Mas como? O avião é o meio de transporte mais seguro, retrucou.

- É por que o senhor não viu o que vi ano passado (1973), quando perdi um amigo no avião da Varig, em Orly.

- Como não? Não houve falha mecânica nem erro humano - asseverou. O que houve foi um incêndio provocado por um passageiro fumante no toalete.

- Certo, mas acrescentei: os passageiros morreram todos asfixiados, antes mesmo da aterrissagem, disse-lhe.

Consentiu para, em seguida, sem titubear:

- O senhor quer saber, meu nome é Gilberto Araujo. Estava no comando do avião de Orly. Foi um acidente terrível, lamentável, mas que não compromete a segurança da aviação.

Meio descrente, falei do meu amigo e das condições de reconhecimento dos objetos e pertences dos passageiros. Embora tivéssemos trocado cartões e endereços, não voltamos a nos encontrar.
O comandante Gilberto Araujo desapareceu no Pacífico em um cargueiro 707 da Varig, em 1979. Sem vestígios.

(P S: Yuri Gagarin, o astronauta russo do primeiro voo espacial em torno da Terra, por triste ironia do destino, morreu em 1968 igualmente vítima de acidente aéreo.)

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