Por Haroldo Saboia
Tivemos oito eleições diretas para governador após o golpe militar de 1964.
A primeira delas, em 1965, constitui um marco na dominação oligárquica no Maranhão: representou o fim da era vitorinista, iniciada em 46, e o início do domínio de José Sarney com sua eleição ao governo.
O mais provável é que o ciclo Sarney tivesse terminado em 86 não fosse a morte de Tancredo Neves, antes de assumir o presidência em 1985.
Mesmo a condição de vice-presidente não asseguraria a Sarney mais 25 anos de absoluta hegemonia na política maranhense.
O PMDB maranhense, liderado por Renato Archer, Cafeteira e Cid Carvalho com apoio de Ulisses Guimarães, seria indiscutivelmente vitorioso contra Sarney nas eleições ao governo do Estado, em 1986.
A força nacional do PMDB era tal que obrigou Sarney, no exercício da Presidência, a compor com os peemedebistas maranhenses. Sarney aliou-se a Cafeteira que liderava a corrente do PMDB contrária à Renato Archer.
É que Renato, mesmo em seu ministério por escolha do próprio Tancredo, representava uma ameaça política à Sarney, pela sua longa trajetória nas lutas pela retomada democrática.
Renato Archer tinha dimensão nacional. Fora o número 2 do chanceler San Tiago Dantas, ministro das Relações Exteriores no governo democrático de João Goulart. Após o golpe, como deputado federal do Movimento Democrático Brasileiro, o antigo MDB, foi Renato o articulador da primeira grande tentativa de unificação das lideranças civis proscritas pelos militares: a denominada Frente Ampla.
Lembremos que a Frente Ampla foi lançada oficialmente por um manifesto, divulgado em 27 de outubro de l966, assinado por João Goulart, o Jango, Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda.
Jango, Juscelino e Lacerda eram as principais lideranças dos maiores partidos anteriores a 1964: o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o Partido Social Democrata (PSD) e a União Democrática Nacional (UDN). Os partidos comunistas (PCB e PCdoB) haviam sido postos na ilegalidade desde 1947.
O manifesto da Frente Ampla, pacientemente discutido e negociado por Renato Archer junto a cada um dos seus três signatários, proclamava:
" É necessário convocar, a curto prazo,eleições livres pelo voto secreto e direto.Exigimos respeito às garantias jurídicas e aos diretos individuais. Sobretudo, proteção à pessoa humana, livre de toda a coação senão a da lei livremente elaborada e sancionada por representantes por representantes livremente eleitos pelo povo."
Longo, o manifesto de Jango, Juscelino e Lacerda, elaborado e articulado pelo maranhense Renato Archer, finaliza com um forte apelo à mobilização, organização e união do povo brasileiro:
" Se para a recomendação e adoção de tais diretrizes o simples amor ao Brasil é capaz de inspirar este entendimento entre adversários,de prodígios bem maiores será capaz o povo mobilizado e organizado,uma vez recuperada a esperança que perdeu.
Com esse entendimento procuramos dar exemplos de grandeza. Possa o sentimento de dever com a pátria inspirar todos os brasileiros para que juntos consigamos o que separados mão poderíamos fazíamos fazer.
Pela união popular para libertar, democratizar e desenvolver o Brasil".
Dois anos depois, com a edição do AI-5 (Ato Institucional que revelou sem disfarces o caráter ditatorial do regime militar: além de colocar em recesso por prazo indeterminado o Congresso Nacional, suspendeu o instituto do habeas corpus e instituiu a censura prévia entre outras violências),o deputado federal pelo MDB maranhense Renato Archer Baima da Silva.oficial da Marinha brasileira, tem seu mandato cassado e seus direitos políticos suspensos.
A partir desse momento, Renato foi preso várias vezes. Em uma delas ficou incomunicável por vários dias. Colegas de Renato da Escola Militar resgataram-no desta prisão. Não fora este gesto talvez tivesse tido o mesmo destino do ex-deputado federal Rubem Paiva, assassinado nos porões da ditadura.
Renato enfrentou com coragem todos esses percalços. Com a mesma galhardia com que enfrentou o Marechal-ditador Humberto Alencar Castelo Branco em 1965 quando disputou e perdeu para José Sarney as eleições para o governo do Maranhão.
Candidato dos ditatores militares, adotado pelos generais que tanto bajulava, Sarney obrou de tal sorte que conseguiu que o ditador Castelo Branco despachasse o seu general chefe da Casa Militar para Belém do Pará. De lá convocou o então governador maranhense Newton de Barros Bello.
A ordem era clara: o PSD do governador não poderia apoiar a candidatura de Renato Archer. A ameaça cristalina: se desobedecesse, Newton seria cassado. (Mesmo tendo obedecido, acabou perdendo seus direitos políticos após deixar o governo)
Newton Belo e o PSD lançaram o médico e ex-prefeito de São Luis, Antonio Eusébio Costa Rodrigues. Archer resistiu e foi candidato pelo PTB. Divididos, perderam a eleição de turno único.
José Sarney ganhou o governo graças a descarada intervenção dos militares ditadores. Desde então não parou de obrar fraudes e intervenções de toda sorte para, sem votos e sem apoio popular, manter seu poder oligárquico.
Haroldo Saboia, economista, advogado, Constituinte de 1988, escreve para o Jornal Pequeno todas as sextas-feiras. E-mail: haroldosaboia@hotmail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário