Franklin Douglas (*)
Em francês, “Nöel” quer dizer natal. Isso mesmo: trato aqui, portanto, sobre o mito do Natal e, por conseguinte, também de sua figura mais ilustre, o “Papai Natal” ou, como conhecemos por estas bandas, “Papai Noel”. O objetivo, por favor, não é desencantar nenhuma criança, pequena ou adulta. Apenas pretendo deixar uma contribuição acerca de nossa culturaocidental para, em seguida, questionar: nossos ídolos ainda são os mesmos?
Como frisei, o mito natalino é fruto de nossa civilização ocidental. Sequer o é da maioria da humanidade. De nossos sete bilhões de habitantes, dos quais chineses e indianos são os mais numerosos, o culto a “nöel” não está presente nas civilizações que já passaram há muito dos 2011 anos contados após a morte de Jesus Cristo.
Por sinal, o natal foi criado para ele e não para o Papai Noel. A data de 25 de dezembro, também controversa – pois se tratava da data das festas pagãs ao rei Sol, incorporada ao calendário dos romanos –, foi estabelecida, no século IV, pela Igreja Católica, como o dia de nascimento de Jesus, na manjedoura de um presépio em Belém.
São Nicolau também se tornou mito natalino no século IV, a partir da Alemanha. Nicolau, arcebispo na Turquia, tornou-se santo após terem sido atribuídos a ele muitos milagres. Costumava ajudar anonimamente as pessoas em dificuldade, colocando um saco de moedas de ouro na chaminé das casas. Em parte, vem daqui a ideia do Papai Noel entrando pela chaminé para deixar presentes... São Nicolau, ou “Papai Noel”, era retratado em roupas de bispo, trajes de frio de cor verde, próximas à referência de um lenhador... Isso até 1931!
Foi na década de 30 do século XX que surgiu o “Papai Noel” vestido de vermelho, cinto e botas de cor preta, rechonchudo, de barba branca. E adivinha quem criou essa imagem?
Quem respondeu “Coca-Cola”, quase acertou. Na verdade, esse primeiro visual foi uma criação do cartunista alemão Thomas Nast, em 1886. Mas, de fato, essa imagem foi popularizada mundo afora através de uma grande campanha publicitária da Coca-Cola, 45 anos depois de Nast, onde a empresa usou essa imagem do “Papai Noel” gordinho, barbudo e vestido de vermelho, mesma cor da logomarca do refrigerante.
“Papai Noel” e Coca-Cola marcaram os “30 anos gloriosos” (anos 1940-1970) do capitalismo mundial como o símbolo, devidamente massificado pela televisão a partir dos anos 50/60, do ideal de vida ocidental. Presente de “Papai Noel” bebendo uma Coca-Cola era muito mais gostoso. Inicia-se a derrocada do presépio de Cristo e a primazia do “Papai Noel” como a imagem maior do natal: da Lapônia (na Finlândia), para os ingleses, ou do Pólo Norte, na invenção dos Estados Unidos sobre o local onde mora o “Papai Noel”, ao extremo da América do Sul.
Não por acaso, em seu artigo sobre “O natal de antigamente...”, o religioso Leonardo Boff retoma de suas memórias o que era o período em sua infância dos anos 30, em Santa Catarina:
“Eram tempos de fé ingênua e profunda que informava todos os detalhes da vida. Para nós crianças, o Natal era culminância do ano, preparado e ansiado. Finalmente vinha o Menino Jesus com sua mulinha (musseta em italiano) para nos trazer presentes.
(...) ao redor do pinheirinho, montávamos o presépio (...). Ai estava o Bom José, Maria, toda devota, os reis magos, os pastores, as ovelhinhas, o boi e o asno, alguns cachorros, os Anjos cantores que dependurávamos nos galhos de baixo. E naturalmente, no centro, o Menino Jesus (...). Vivíamos o tempo glorioso do mito”.
Se o mito traduz melhor a verdade que a pura e simples descrição histórica, como escreve Boff, estamos sem dúvida sob novos mitos natalinos e outros templos. A versão do trenó voador, das oito renas (há quem conte nove: Rodolfo – a rena de nariz vermelho, Corredora, Dançarina, Empinadora, Raposa, Cometa, Cupido, Trovão e Relâmpago), da chaminé, do bom velhinho e demais características do “Papai Noel”, ensaiadas no poema de Clemente Clark More – “Uma visita de São Nicolau”, de 1822 –, supera ano após ano os registros dos evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João.
O ouro, o incenso e a mirra, presentes entregues a Jesus na manjedoura, hoje poderiam ser adquiridos em incontáveis prestações no cartão de crédito, em nossos novos templos natalinos de consumo, os shoppings.
Por sinal, não é à-toa que o projetado Shopping da Ilha é inaugurado aos trancos e barrancos literalmente às vésperas do Natal. Indiscutivelmente a ser o maior shopping center da cidade, destoaria da pomposidade consumista ele ser inaugurado no período da quaresma... a dúvida que fica é se o grupo Sá Cavalcante inauguraria um inacabado shopping seu no Rio de Janeiro, da mesma forma que o fez em terras maranhenses...
Enfim, o fato é que, para desilusão de nossos teólogos, progressistas ou não, os mitos e os templos mudaram nos tempos atuais do capital. Seja pelo consumo exacerbado, seja pelo desejo de não desapontar nossas tenras crianças em sua crença no “Papai Noel”, resignamo-nos a reconhecer que os nossos ídolos natalinos não são os mesmos de nossos pais... resta-nos o consolo de que, pelo menos, os de nossos filhos e netos, serão os mesmos sob os quais crescemos.
E, então, mito serão essas estórias inventadas neste artigo de que Papai Noel (e agora é sem as aspas mesmo!) não passa de uma invencionice do ocidente. Coisa de cristão recalcado!
Seja numa ou noutra concepção, ho-ho-ho: feliz natal para você, cara leitora, caro leitor!
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(*) Franklin Douglas - jornalista e professor, escreve para o Jornal Pequeno aos domingos, quinzenalmente. Artigo publicado no Jornal Pequeno (edição 25/12/2011, página 24)
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