sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

A confissão de Sarney e a cassação que devemos cobrar


Em primeira mão em blogue local, Ecos das Lutas reproduz artigo do jornalista Rogério Tomas Jr. sobre o controle e uso político dos meios de comunicação pela oligarquia Sarney, exposta pelo grampo da Polícia Federal.

Maranhense de coração (pois nasceu no Ceará), Rogério está radicado em Brasília, onde se dedica às lutas pela segurança alimentar, democratização da comunicações e outras tantas. O texto vem ganhando visibilidade em diversas listas de comunicadores do País, acompanhe.



A CONFISSÃO DE SARNEY E A CASSAÇÃO QUE DEVEMOS COBRAR
Por Rogério Tomaz Jr(*)
(http://www.direitoacomunicacao.org.br/novo/content.php?option=com_content&task=view&id=4727)

Imortal, talvez. Infalível, certamente não. Fisgado em grampo da Polícia Federal em conversa com seu filho, Fernando Sarney, o senador do Amapá – ou o quarto senador do Maranhão – confessa o óbvio não assumido: as emissoras de televisão e rádio, bem como os jornais e todo e qualquer veículo de comunicação, servem de batalhão de elite na guerra política.

“Vamos botar isso na TV”. Sintético, o presidente do Senado se refere a uma denúncia de corrupção contra Aderson Lago, tucano que comanda, de fato, o governo do Maranhão. Aderson, primo do governador Jackson Lago, enquanto deputado estadual, destacou-se pela oposição ferrenha ao sarneísmo durante os dois mandatos da governadora Roseana Sarney (1995-1998 e 1999-2002). Vale o registro, porém, que o mesmo Aderson Lago já teve abrigo cativo na família real do Maranhão.

Entretanto, o que nos interessa aqui, mais do que os elementos e o mérito da disputa, é a confissão explícita de José Sarney revelando o uso político de uma concessão pública.

A Constituição, no seu artigo 54, é inequívoca quanto à proibição de parlamentares serem concessionários de rádio e TV:

“Os Deputados e Senadores não poderão:
I - desde a expedição do diploma:
a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes;
[...] II - desde a posse:a) ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou ela exercer função remunerada.”

A essa vedação objetiva, somam-se os princípios gerais da administração pública, listados no artigo 37 da Carta Magna:

“A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)”.

E tanto a Constituição quanto o Código Brasileiro de Telecomunicações determinam a subordinação das emissoras de rádio e TV às finalidades – educativas, artísticas, culturais e informativas – que atendam ao interesse público da sociedade brasileira.

Ao confessar, incauto, a conduta em que se vale de uma concessão do Estado para obter favorecimento político de caráter pessoal, o ex-presidente da República e dirigente máximo da instituição que elabora as leis do país reforça a constatação de que o Estado não é neutro e tampouco a Justiça é cega.

A família Sarney, embora destronada do governo estadual após quatro décadas de domínio, controla não apenas os principais meios de comunicação do estado mais indigente do país. O Judiciário maranhense, por exemplo, está profundamente atado às redes de relações de poder tecidas desde que José Sarney derrotou a oligarquia comandada por Vitorino Freire, em 1965.

Jamais a hegemonia do clã Sarney esteve tão ameaçada quanto no momento atual. Derrotado nas urnas na eleição de 2006 e praticamente varrido das principais cidades maranhenses em 2008, tem os negócios investigados a fundo pela PF e pelo Ministério Público Federal (MPF). Fernando Sarney é acusado de crimes contra o sistema financeiro, formação de quadrilha, falsidade ideológica, fraude em licitação, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, entre outros delitos, e teve prisão preventiva solicitada pelo MPF. Atacado duramente até por publicações conservadoras, como as revistas The Economist e Veja (através de um colega de partido, o senador Jarbas Vasconcelos) e denunciado pela Folha de S. Paulo, veículo no qual assina coluna semanal, o patriarca Sarney pode ter na direção do Senado menos uma prova de força do que um derradeiro e incerto respiro. A conferir.

Na lista histórica de confissões desse tipo, não esqueçamos o que disse o nosso sumo magnata da mídia. Em 1987, The New York Times publicou entrevista com Roberto Marinho, tão reveladora do seu pensamento quanto pouco conhecida do grande público:

“Sim, eu uso o poder [da Rede Globo], mas eu sempre faço isso patrioticamente, tentando corrigir as coisas (...). Nós gostaríamos de ter poder para consertar tudo o que não funciona no Brasil. Nós dedicamos todo o nosso poder para isso. Se o poder é usado para desarticular um país, para destruir seus costumes, então, isso não é bom. Mas se é usado para melhorar as coisas, como nós fazemos, isso é bom”. (Citado em: “Mídia: Teoria Política”, de Venício Lima, Ed. Fundação Perseu Abramo, 2001.)

Em 2005, como lembra o professor Venício Arthur de Lima em artigo no Observatório da Imprensa, Sarney cunhou uma máxima que resume a relação entre políticos e mídia no Brasil: “Se não fossemos políticos, não teríamos necessidade de ter meios de comunicação”, registrado em Carta Capital (nº 369, de 23/11/2005).

Na conversa flagrada pela PF, divulgada semanas atrás, Sarney economizou nas palavras, mas não deixou dúvidas quanto a uma das finalidades da sua emissora de televisão.

Diante de tal declaração de culpa, o mínimo que se pode esperar das autoridades é a cassação da concessão da TV Mirante (anagrama de mentira), afiliada da Rede Globo.

Como bem apontou a revista inglesa, Sarney representa o mais autêntico dinossauro político do país. É sinônimo do atraso e do fisiologismo. A renúncia do posto recém-assumido no Senado seria a conseqüência esperada, desejada e, ademais, lógica, embora, na política, esse termo não tenha muito sentido.

(*) Rogério Tomaz Jr. é jornalista formado pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), membro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

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