segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

A MONTANHA E AS COLINAS

Franklin Douglas (*)

Como de costume, às vésperas do ano-novo, envio mensagens eletrônicas a amigos nas redes sociais, grupos de internet, via emails. Este ano, sob a letra da música “Perfeição”, da Legião Urbana, escrevi aos amigos/as:
“Em 2012...
... [Não] vamos celebrar a estupidez humana...
... [Não] vamos celebrar nosso país e sua corja de assassinos, covardes, estupradores e ladrões...
... [Não] vamos celebrar nossa polícia podre e televisão...
... [Não] vamos celebrar nosso governo e nosso estado que não é nação...
... [Não vamos] celebrar a juventude sem escolas, as crianças mortas...
... [Não vamos celebrar] todos os mortos nas estradas, os mortos por falta dos (72 prometidos) hospitais...
... [Não] vamos celebrar nossa justiça, a ganância e a difamação...
... [Não] vamos celebrar os preconceitos, o voto dos analfabetos, queimadas, mentiras e sequestros...
... [Não vamos celebrar] Castelo, o trabalho escravo, toda a hipocrisia e todo roubo e toda indiferença...
... [Não] Vamos festejar a violência e esquecer a nossa gente que trabalhou honestamente a vida inteira e não tem mais direito a nada...
... [Não] Vamos celebrar a aberração de toda a nossa falta de bom senso, o descaso (da oligarquia) por educação...
... [Não] Vamos celebrar a fome, não ter a quem ouvir, não se ter a quem amar.
Em 2012, [não] vamos alimentar o que é maldade, [não] vamos machucar o coração.
Que seja um ano em que nossa luta e paixão contribuam para um outro mundo, no qual a perfeição da letra da Legião Urbana em retratar nossa realidade seja menos celebrada, inclusive por mim, que desejo a você um FELIZ ANO-NOVO”.
Meu entusiasmo com 2012 foi colocado em teste em menos de 48 horas. Nos primeiros dias de janeiro, os maranhenses foram “brindados” com notícias estarrecedoras:
02 de janeiro – atualização da lista suja do trabalho escravo inclui 22 nomes de proprietários do Maranhão. O estado do Maranhão é um dos que mais tem nomes na lista, chegando a 22 dos 294. Dos 52 novos que integraram a lista suja em 2011, o Maranhão colocou cinco. Existem empregadores maranhenses que estão figurando na lista desde 2004, quando o cadastro foi criado;
03 de janeiro – supernavio Vale-Beijing completa 30 dias sob risco de causar uma tragédia ambiental se afundar com suas 260 mil toneladas de minério e nove mil toneladas de óleo combustível. A realidade atropela a todo momento as poucas informações dadas pela Vale, Capitania dos Portos e STX Pan Ocean sobre a situação real do navio;
04 de janeiro – a Comissão Pastoral da Terra (CPT) denuncia ao governo federal perseguição de quilombolas por pistoleiros em Pirapemas. A Anistia Internacional decide interceder na questão;
04 de janeiro – pela segunda vez, a adultora do sistema Italuís, sob (des)administração da Caema rompe: 130 bairros ficam sem água. O primeiro rompimento foi às vésperas do ano-novo;
04 a 06 de janeiro – a partir de textos de Alice Pires, Rogério Tomaz Júnior, Lissandra Leite, John Cutrim, Zema Ribeiro e Hugo Freitas, a blogosfera progressista e a cidadania maranhense, via redes sociais (Facebook, Twitter), furam o cerco midiático oficial e o país toma conhecimento da denúncia do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) de que uma criança indígena, de 08 anos, da tribo Awa-Guajá, foi queimada viva, por madeireiros que exploram ilegalmente as florestas da reserva Arariboia, em Arame. Uma verdadeira barbárie!
Por fim, ainda na primeira semana de 2012, a revista Exame (05/01) informa que o Maranhão está entre os seis estados onde o número de milionários mais cresceu.
Isso mesmo, caro leitor, cara leitora: dos 16 estados das regiões Norte e Nordeste, ficamos atrás apenas de Bahia (2.471), Pernambuco (1.473), Ceará (1.309) e Alagoas (658). Nossos milionários cresceram 33%. Totalizam 504 muitíssimo ricos.
Há sete anos – precisamente em 06 de julho de 2004 –, repercuti aqui nas páginas do Jornal Pequeno a palestra de Marcio Pochmann em São Luís. O professor da Unicamp (SP) lançava em terras maranhenses o seu livro “Os ricos do Brasil”. No artigo “Os ricos do Maranhão”, registrei:
“Se os pobres são alvo de estudos e mais estudos, o professor paulista nos alerta que os ricos são pouco pesquisados e se escondem no Brasil (não só dos cientistas, mas também da Receita Federal!). Trata-se de 1.162.164 [um milhão cento e sessenta e duas mil cento e sessenta e quatro] famílias brasileiras, de um total de 51 milhões, que concentram 75% da renda do País.
No nosso Estado pobre e agrário, são 2,9% de ricos entre os mais de seis milhões de maranhenses: 5.722 famílias ricas” (Jornal Pequeno, 2004, p. 2); das quais, agora identificamos serem milionários 504 indivíduos.
O escritor cubano José Martí (1853-1895) dizia que uma grande montanha parece menor quando está rodeada de colinas.
Na cruel realidade maranhense, rodeada de colinas (trabalho escravo, destruição ambiental, falta de água e saneamento ambiental, assassinato de índios, pistolagem no campo e perseguição a quilombolas, etc), a grande montanha da desigualdade social e concentração de renda parece menor... mas apenas parece. Ela é a maior expressão de toda a chaga social que não se inicia em 2012, mas persiste desde os últimos pelo menos 400 anos!
A cada ano, só não “vamos celebrar o horror de tudo isso”, como canta Renato Russo, quando superarmos o sistema que origina a exploração e personifica em oligarquias e grupos plutocratas a lógica desse “capitalismo selvagem”. É a nossa única opção ante à barbárie!

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(*) Franklin Douglas - 
jornalista e professor, e
screve para o Jornal Pequeno aos domingos, quinzenalmente. Artigo publicado no Jornal Pequeno (edição 08/01/2012, página 16)

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