Prossegue aqui no Ecos, o debate sobre a conjuntura maranhense. Publicamos, neste segundo tempo, artigo do professor Flávio Reis.
"O Nó Cego..." de Reis vai como que direto ao assunto: resgata a relação estabelecida pelos diversos oligarcas locais (Benedito Leite, Vitorino Freire, José Sarney) entre o Maranhão e o centro federal do poder; aponta os erros cruciais do PDT e de Jackson Lago; e insinua a opção pretendida pelo PCdoB de Flávio Dino e ala sarneista do PT para chegar ao poder no Maranhão. Leia abaixo.
O NÓ-CEGO DA POLÍTICA MARANHENSE
Flávio Reis(*)
Os recentes acontecimentos da política estadual, com a troca de governadores decidida pelo TSE, são a nova versão de uma característica antiga da regulagem das disputas políticas na história do Maranhão. Estado periférico, a formação da estrutura oligárquica foi fortemente determinada pelo processo de construção do Estado Nacional, de tal maneira que o verdadeiro centro da política maranhense, o palco onde os lances decisivos se efetivaram, sempre esteve fora, no Rio de Janeiro, nos tempos de Urbano Santos e Victorino Freire, em Brasília, nos tempos de José Sarney. O modelo vem de meados do século XIX, sofreu um ajustamento na República Velha e atravessou o século XX, mostrando-se ainda bem vivo, apesar da aparente sofisticação, da roupagem democrática.
Em termos gerais, as disputas entre os grupos políticos regionais são mediadas pelas instâncias de poder da esfera federal, predominantemente o executivo, mas numa rede que passa pelos arranjos no legislativo e nas altas cortes do judiciário. Assim, a crise de 1909 em torno do legítimo detentor da cadeira governamental, aberta com a morte de Benedito Leite, foi resolvida com a mediação do presidente Nilo Peçanha, determinando um compromisso na divisão de cadeiras parlamentares e cargos entre as duas principais facções do partido situacionista e a oposição. Escudado nas relações estabelecidas com Pinheiro Machado e alçado à posição de vice-presidente, Urbano Santos afirmou-se como o chefe da política estadual.
Em outro momento, após a reconstitucionalização de 1934, uma nova crise entre os grupos políticos levou à intervenção de Vargas, através de Paulo Ramos, eleito pela Assembléia Legislativa, mas de fato um emissário do Catete, depois confirmado como interventor no período do Estado Novo. O caso mais conhecido, no entanto, se verificou em 1951, quando a disputa entre as hostes de Victorino e as Oposições Coligadas gerou o conflito da “Greve de 1951”, resolvido com uma decisão do TSE em favor do candidato vitorinista, Eugênio Barros, e a garantia das tropas federais do general Edgardino Alves. Encarregado de montar a máquina do PSD no Maranhão, as bases do poder de Victorino estavam claramente assentadas no trânsito de que desfrutava nas esferas da câmara federal, nos ministérios e nos tribunais superiores.
A ascensão de Sarney não seguiria trilha muito diferente. Destacando-se como um dos deputados federais da ala reformista da UDN, conseguiu se viabilizar como candidato antivitorinista em 1965, já articulado ao novo esquema de poder advindo do golpe de 1964. Ao contrário do que geralmente se pensa, no entanto, o seu fortalecimento foi paulatino, configurando-se plenamente apenas na segunda metade da década de 1970, na esteira do crescimento da influência no partido governista (Arena e depois PDS). O resto da história é bem conhecido, a chegada fortuita à Presidência da República, a cadeira de senador pelo Amapá e a presidência do Congresso Nacional (atualmente pela terceira vez). O poder de Sarney, como o de seus antecessores na linhagem oligárquica do Maranhão, repousa no quase monopólio exercido todos esses anos na mediação com o governo federal, acrescentando o fato de ter se tornado uma espécie de senador bifronte, com o controle direto de duas bancadas.
A eleição de Jackson Lago contra Roseana Sarney em 2006 foi antes fruto do racha provocado no grupo situacionista pelo então governador José Reinaldo do que uma alternativa criada contra os esquemas tradicionais da política oligárquica. A utilização aberta da máquina governamental, ao velho estilo, apesar de saudada em vários círculos como “ação libertadora”, já anunciava o que viria depois, o nepotismo e o loteamento dos cargos para satisfazer uma ampla aliança cujo programa parecia ser mesmo a divisão do butim, a tentativa desastrada de imposição da “lei do cão” na guerra salarial contra os professores da rede pública, o escândalo da construtora Gautama, a deterioração da situação em áreas sensíveis como a segurança pública e a total falta de coordenação do governo. Tudo se somou em rápida corrosão do apoio da população a Jackson Lago, habilmente potencializada pelo Sistema Mirante, a poderosa rede de comunicação da família Sarney. Paralelamente, corria o processo de cassação, verdadeira espada sobre a cabeça do governador e sua numerosa caravana, acirrando o tom de desvario que alcançaria o ápice com a patética tentativa de “resistência” no Palácio dos Leões.
Jackson Lago foi eleito por dentro da estrutura oligárquica e nela o lance final é dado no jogo dos poderes federais. Um dos pontos fundamentais da reprodução oligárquica está no controle das formas da mediação entre instâncias do sistema político. Foi neste âmbito que Castelo, por exemplo, fracassou, José Reinaldo foi mantido em estado de asfixia depois do rompimento e Jackson sucumbiu. É por aí também a via de acesso nesta estrutura, como mostra a desenvoltura de Flávio Dino, cuja força vem, sobretudo, da proximidade com o governo federal. A fonte de poder está no centro, mas, como o espaço é estreito, cedo dividirá palanque com a família Sarney ou definirá alguma forma de compromisso, sob a benção de Lula. Para o PCdoB, que participou do governo Roseana, isto, de resto, não constituiria uma novidade. No PT, uma parte já mandou às favas os escrúpulos e começou a usufruir alegremente das benesses da oligarquia, assim como o ex-prefeito Tadeu Palácio, do PDT, integrante da “Frente de Libertação”, hoje instalado no secretariado do novo governo. Todos da maneira mais subalterna possível.
(*) Professor da UFMA
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