domingo, 8 de novembro de 2009

DE VOLTA AO CHICOTE

Por Haroldo Saboia

Em vários artigos deste espaço semanal do JP, tenho tentado demonstrar o caráter verdadeiramente obsessivo de José Sarney em distorcer a história, falseá-la sempre na tentativa de fixar sua imagem como a de um político moderno, tolerante, magnânimo e, ao longo de sua vida, comprometido com os ideais democráticos.

Sarney tem plena consciência de sua mediocridade como poeta e literato. Sabe perfeitamente das vicissitudes e da verdadeira dimensão de sua carreira política. Aparentemente vitoriosa, sua trajetória não revela uma liderança popular, um líder carismático, um profissional liberal ou intelectual elevado à condição de homem público.

Não! Os momentos relevantes de seu percurso expõem as marcas da trapaça, da esperteza, dos golpes, das traições, do absoluto descompromisso com a História e a coisa pública. Vejamos:

- a fraude eleitoral da famosa 41ª. zona (“esta é do Zé, meu filho”) que lhe assegurou uma suplência de deputado federal;

- a mudança do PSD para a UDN que lhe permitiu em 1960 transitar livremente pelos setores mais conservadores da política nacional que apoiavam Jânio Quadros (com Carlos Lacerda, forte no Rio de Janeiro, Magalhães Pinto em Minas, e o próprio Jânio, majoritário em São Paulo) sem romper com o poder estadual vitorinista. Explico: Sarney em 1960 apoiou dois pólos partidários: no Maranhão, o PSD, com os vitorinistas e seu candidato ao Governo Newton Bello, franco favorito; nacionalmente, o outro lado, a UDN, que elegeu Jânio Quadros e abriu o caminho ao golpe militar de l964;

- Sarney foi, assim, um político de TRÊS VIAS: do poder local vitorinista e pessedista; do populismo conservador de Jânio Quadros e da UDN golpista, com suas vivandeiras que estimularam e deram sustentação civil ao golpe militar;

- político por natureza governista e fisiológico, Sarney nas TRÊS VIAS que circulava ia empregando parentes, amigos, aderentes e correligionários. Sempre com um olho nos quartéis, outro nos tribunais... ;

- em l965, enfim veio a coroação da tática das TRÊS VIAS: o general João Batista Figueiredo, chefe da Casa Militar do ditador-presidente Humberto de Alencar Castelo Branco, proibiu expressamente, em audiência pessoal com o governador Newton de Barros Bello, que o PSD apoiasse o candidato, até então favorito, Renato Archer Bayma da Silva, deputado federal contrário ao golpe militar. (Por favor, não relacione, o fato que acabo de narrar, com a vinda recente de José Dirceu a São Luis, os tempos e o regime são outros e as práticas, bem... discutiremos depois);

- Newton Belo cedeu e o velho PSD lançou o ex-prefeito nomeado de São Luis Costa Rodrigues. Com dois candidatos, Costa Rodrigues e Renato Archer, a estrutura de poder local se dividiu e Sarney, traindo suas origens, graças ao apoio dos militares do Planalto e toda sorte de pressão, ameaças, chantagens, fraudes de todo o tipo, consegue ser eleito governador: nascia a nova oligarquia;

- as lentes de Glauber Rocha (que enigmáticas, ainda estão, penso, à espera de várias e várias análises e interpretações) fixaram o início desse ciclo oligárquico que germinou no nascedouro do regime militar. Lembro, a propósito, dois importantes estudos que fazem referências à presença do cineasta em terras maranhenses, naquele momento. O primeiro, ”Formação Social do Maranhão: o presente de uma arqueologia”, - trabalho de mestrado de Rossini Correa, defendido em 1982 na Universidade Federal de Pernambuco, (em especial, o capítulo oitavo); e, o importante “Sob o signo da morte: o poder oligárquico de Victorino a Sarney”, dissertação de Mestrado obtido na Universidade de Campinas (Unicamp), em 2001, pelo professor Wagner Cabral da Costa.

Aqui estão elencadas passagens do início da construção oligárquica. Sequer abordamos (nem o espaço possibilitaria) seu desenvolvimento posterior até sua consolidação com a ascensão bacteriana do personagem à Presidência da República.

Só, assim, poderemos entender, minimamente, as cenas de terror orquestradas pelo atual presidente do Senado da República na tentativa de impedir o lançamento do livro “Honoráveis Bandidos: um retrato do Brasil na era Sarney”.

Entendi ser necessário recuar no tempo e pesquisar o ovo da serpente, as origens da barbárie tão viva e presente no auto-proclamado Oligarca da Liberdade.


Sim, o próprio José Sarney teve a audácia de publicar, em seu jornal “O Estado do Maranhão”, um artigo de página inteira, com o pseudônimo Gilberto Meneses, com o título “O OLIGARCA DA LIBERDADE”.

Sabem em que data? Curiosa e cruel coincidência: 4 de novembro de 1990. Após exatos 19 anos, o atentado no Sindicato dos Bancários!


Um pseudônimo como biombo, Sarney solta o verbo:

“Por uma disposição inexcedível de sua índole tolerante e perseverante na indulgência, Sarney nunca soube usar da crueldade na apreciação dessa matéria complexa, plena de ambivalências, sujeita a mutações tão imprevisíveis, que é a natureza humana.”

E prossegue Sarney em seu auto-elogio:

“Com a virtuosidade de todo verdadeira artista da política, Sarney prosseguiu em sua rota, sem se deixar abater pelas misérias e fraquezas dos homens, convicto de que na vida pública a mais ruinosa e nefasta das posturas é ser pequeno”.

Só alguém que tem a coragem de proclamar-se “oligarca da liberdade”, tolerante, perseverante na indulgência, incapaz de usar da crueldade... pode ter o refinamento, a meticulosidade de agir com a sutileza e a complexidade de Sarney ao construir tramas como a de Reis Pacheco, do processo-trapaça que cassou Jackson e, sua mais recente obra, o atentado à Palmério Dória e seus leitores.


“Com a virtuosidade de todo verdadeiro artista da política”, Sarney (que como Hitler pinta telas) armou o abortado ato terrorista da noite de autógrafos no Sindicato dos Bancários, utilizando jovens remunerados (pelo menos um deles comissionado pela cumplicidade do Prefeito Luis Fernando, de Ribamar). E muito provavelmente com a cobertura (os indícios são fortíssimos) de membros do Serviço Velado da Policia Militar, presentes no ato em manifesta postura de coordenadores.

O DNA de Sarney é visível na edição de quinta- feira de seu jornal O Estado do Maranhão e em comentários veiculados pelos blogues de dois repórteres de política de sua empresa.


Enquanto o jornal ignora o episódio, o blogue de um afirma que “na realidade o lançamento dos Honoráveis Bandidos em São Luis não passa de uma provocação”, enquanto outro acusa textualmente um Secretário de Estado do Governo Roseana Sarney de patrocinar e coordenar o atentado.

Coisas do Sarney! Para confundir, ora silencia (1), ora faz a defesa da “ação” (2), ora aponta um responsável como bode expiatório (3).

Em outras palavras: silenciosamente, atira a pedra e tenta esconder a mão!

Vale lembrar que no episódio da invasão pela Policia Federal do escritório da empresa Lunnus de propriedade de Roseana e Jorge Murad, Sarney também recorreu à violência e ao terrorismo.

Determinou que aliados seus tentassem dissolver com pedras e pauladas ato público na Praça Deodoro, no início de maio 2001, em que manifestantes exigiam rigorosa apuração do caso Lunnus. Verdadeiras hordas de vândalos, transportados por ônibus fretados, promoviam a baderna e a intimidação comandadas pessoalmente pelos deputados Max Barros e Telma Pinheiro, e ainda pelo falecido vereador Sebastião do Coroado.

Max, Telma e Sebastião juntos em um verdadeiro sincretismo de terror e violência ao sabor dos caprichos do velho oligarca Sarney, o poeta do chicote.

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