domingo, 30 de novembro de 2014

O FEITIÇO VIRANDO CONTRA O FEITICEIRO



Franklin Douglas (*) 


Uma notícia muito interessante passou despercebida ou foi relegada às últimas páginas dos jornais, como que para não ser vista, na última semana.
Trata-se da divulgação da sexta atualização da pesquisa Indicadores Sociais de São Luís, disponibilizada na página do “Movimento Nossa São Luís”, realizada pela consultoria Kairós Desenvolvimento Social, sob financiamento da Alcoa Foundation e Alumar via Instituto de Cidadania Empresarial do Maranhão (ICE-MA).
Os dados são tão fortes que nem o chapa-branquismo em torno da divulgação, revelado na presença do secretário municipal de Governo recém-nomeado na Prefeitura de São Luís e na escolha cautelosa dos termos divulgados nos relises do ICE-MA, foram capazes de ofuscar a conclusão de que vai de mal a pior a gestão das políticas públicas na capital maranhense!
Tem-se quase uma centena de itens distribuídos em 27 áreas da cidade e sintetizados em 49 indicadores que evidenciam, entre 2012 e 2013, o que tem ocorrido na administração pública municipal em setores como trabalho infantil, mortalidade por causa respiratória, escolas públicas sem biblioteca, analfabetismo, domicílios sem rede de água e tratamento de esgoto, tempo de deslocamento no transporte público, curetagem pós-aborto, crianças sem registro de nascimento, homicídios, domicílios sem coleta de lixo e diversos outros.
Em resumo, dentre esses 49 indicadores, temos o seguinte:
i) nível de excelência em apenas 8,5 % dos indicadores analisados (4), sendo que em um deles, o de desperdício de água, estamos com patamar semelhante a Tóquio, a cidade que menos desperdiça água no mundo. Ou seja, “há algo de podre no Reino da Dinamarca” dos dados fornecidos pela CAEMA, até agora sob controle de Ricardo Murad, aos sistemas nacionais de informação nessa área! Dados do Instituto Trata Brasil, por exemplo, estima em 58% o nível de desperdício de água em São Luís, bem distante dos 5,43% constatados pela consultoria do ICE-MA. Até hoje, os munícipes aguardam a promessa do prefeito Edvaldo Holanda Júnior de negociar firme com a CAEMA a questão da água e do tratamento de esgotos...
ii) um nível bom em somente 8,5 % dos indicadores (também somente em 4 deles) no tocante a itens como reprovação escolar, por exemplo. Ainda assim, consegue a cidade ir bem porque o conjunto na área desses 4 itens vai muito mal: o nível bom constatado à capital maranhense não a coloca nem entre as dez melhores posições...
iii) estamos em níveis razoáveis em 18% dos indicadores (9). Quadro semelhante ao anterior: vamos “bem” no cenário no qual muitas cidades vão muito mal: ocupamos entre as posições 12ª e 16ª, dentre as 27 capitais, em áreas como escolas sem acessibilidade, reprovação, escolas sem biblioteca, combate ao analfabetismo. . Até o momento, pais e filhos esperam pela Escola em Tempo Integral prometida pelo prefeito...
Em seguida, vêm os índices calamitosos: juntos somam 65% (olha a ironia dos números!!) dentre os indicadores analisados como RUINS ou PÉSSIMOS na gestão das políticas públicas da cidade. São eles:
iv) São Luís está em níveis ruins em 22% dos indicadores (11). Ocupa a posição 17ª a 21ª em áreas como curetagem pós-aborto, dado que indiretamente indica a prática de aborto mal sucedido, porque caseiro ou realizado de forma inadequada, e que só se toma conhecimento porque a mulher chega em estado de saúde debilitado à rede de atendimento do SUS. Outro indicador ruim, dentre os 11 enumerados nessa faixa: o tempo de deslocamento de casa ao local de trabalho. Estamos na vigésima primeira pior situação na mobilidade urbana! Os usuários de transporte esperam com seus “GPS´s nos ônibus”, o Bilhete Único e a licitação das linhas de transportes da cidade!
v) por fim, a situação onde estamos péssimos, em 43% dos indicadores (21)! O município de São Luís está entre as três piores capitais em domicílios sem coleta de lixo e em número de homicídios; situa-se entre as cinco piores em mortalidade infantil neonatal e em morte materna – índice que revela a precariedade das políticas de atenção à saúde da mulher e à infância. Parcela de nossas crianças nascem e sequer têm o direito ao registro de nascimento garantido, estamos na 22ª pior situação. Os pacientes ludovicenses aguardam em macas o prometido Hospital Dr. Jackson Lago!
Compreendes o porquê vai de mal a pior a gestão das políticas públicas na capital maranhense, cara leitora, caro leitor?
Nenhuma novidade para quem vive a cidade, se desloca por ela, necessita de seus serviços públicos. Apenas temos confirmado que também os números não mentem sobre o sentimento geral de abandono pelo qual a cidade se encontra.
Frente a tudo isso, parece voltar-se contra  o alcaide o feitiço que tão bem preparou para enfeitiçar os eleitores e vencer o pleito de 2012: “para mudar a cidade só tem um jeito: MUDAR DE PREFEITO!!”


Em tempo. Morreu Roberto Bolaños (1929-2014): “isso, isso, isso”, o Chaves! Quando falo com meus filhos sobre brincar de “peteca[bolinha de gude]”, “chuço[chucho]” ou “pião”, eles pouco me entendem. Quando eles me falam de “Matsuri”, eu é que não conecto com eles. Mas “foi sem querer, querendo” que nos compreendíamos muito bem assistindo às personagens do “Shakespearito” (“pequeno Shakespeare”, seu apelido no México). Desde os anos 1970, o humorismo infantil de Bolaños, sem apelos sexuais ou palavrões, era assim: unia continentes, unia gerações! “E agora, quem poderá nos defender?”... Mas “não fiquemos barriga, senhor Triste”! Sua mensagem de alegria estará sempre viva. Valeu, Roberto Bolaños!



(*)  Franklin Douglas - jornalista e professor, doutorando em Políticas Públicas (UFMA), escreve ao Jornal Pequeno aos domingos, quinzenalmente. Publicado na edição de 30/11/2014, opinião.

domingo, 2 de novembro de 2014

POBRE BRASIL. POBRE MARANHÃO


Franklin Douglas (*) 


Em São Luís, para participar de atividades do Observatório Social do Trabalho – ligado ao grupo de pesquisa GAEP, do Programa de Políticas Públicas da UFMA, o professor e pesquisador Marcio Pochmann (Unicamp-SP), lançou seu último livro, “Atlas da Exclusão Social no Brasil: dez anos depois”.
Em seu conceito multidimensional, o Atlas reúne sete índices acerca da exclusão social: (i) pobreza, emprego e desigualdade (dimensão Vida Digna); (ii) alfabetização e escolaridade (dimensão Conhecimento); (iii) concentração juvenil e violência (dimensão Vulnerabilidade Juvenil).
Em síntese, concebe a exclusão como a “condição específica ou holística de não estar exposta ao risco de violência, ao não ser, ao não estar, ao não realizar, ao não criar, ao não saber e ao não ter.” (Pochmann et al, 2014, p. 28).
Uma década depois de sua primeira publicação (em 2004, após o Censo de 2000), o Atlas retoma, a partir dos dados censitários de 2010, os mesmos índices a fim de verificar o que se alterou no País nesse período. Em resumo, “embora tenha reduzido o desemprego, a pobreza e a desigualdade [...], “o Brasil segue entre os 15 países mais desiguais do mundo.” (Pochmann et al, 2014, p. 16 ).
Nesses 10 anos depois, cara leitora, caro leitor, o que o Atlas indica sobre o Maranhão?
Se no Brasil a diminuição da desigualdade social foi lenta, aqui o ritmo de tartaruga foi mais vagaroso ainda. A saber:
1) O Maranhão tem o pior Índice de Exclusão Social (0,46), empatado com Alagoas e Pará – muito abaixo da média nacional (0,63);
2) O Maranhão possui o maior grau de pobreza (o,34), à frente de Alagoas (0,40) e Piauí (0,41);
3) Maranhenses, temos o pior índice de emprego formal (0,28), deixando para trás Pará (0,33) e Piauí (0,33);
4) O Maranhão detém o terceiro pior índice de escolaridade (0,52), atrás de Alagoas (0,46) e Piauí (0,50);
5) No quesito analfabetismo, também detemos o terceiro pior desempenho (0,38), atrás de Alagoas (0,35) e Piauí (0,37).
Somos o quarto estado da região Nordeste, em número de municípios (217) e em termos populacionais (12,5% dos habitantes nordestinos), mas: não temos nenhum município entre as cidades com índices satisfatórios de inclusão social (acima de 0,68); temos apenas uma cidade naquelas com índices razoáveis (0,56 a 0,68) – São Luís; e detemos, tristemente, o maior percentual de municípios com os piores índices: 81% de nossas cidades estão no pior grupo de índices de exclusão social.
Dentre os 100 municípios com maior grau de exclusão social, mantemos um conjunto de 30 entre eles: Santana do Maranhão, Nina Rodrigues, Mirador, Bom Jardim, Matões de Norte, Presidente Vargas, Conceição do Lago-açu, Serrano do Maranhão, Governador Nunes Freire, Pedro do Rosário, Amapá do Maranhão, Santa Filomena do Maranhão, Presidente Juscelino, Amarante do Maranhão, Cajari, Alto Alegre do Pindaré, São Benedito do Rio Preto, Santo Amaro do Maranhão, Satubinha, Buriticupu, Primeira Cruz, Paulino Neves, Fernando Falcão, Itaipava do Grajaú, Humberto de Campos, Cachoeira Grande, Arame, Belágua, Jenipapo dos Vieiras e Marajá do Sena.
Dentre esses, um ganhou notoriedade internacional: Belágua. Em todo o país, foi o município onde a candidata Dilma Roussef obteve seu maior índice de votos rumo à reeleição. Lá, a síntese de uma política que vem dando errado, ainda que eleitoralmente tenha retorno nas urnas.
Em 12 anos, a prioridade ao agronegócio de monocultura sufocou as comunidades tradicionais e a agricultura familiar do município. O eucalipto se expande e o cultivo de produtos agrícolas locais escasseia. Restou ao povo viver de transferência de renda do Governo Federal. Seu gestor, o prefeito Sargento Adalberto (PT), cumpriu à risca as orientações nacionais de seu partido: aderiu ao sarnopetismo. Disso, nada adiantou para libertar Belágua da miséria social. O Programa Bolsa Família apenas atenua o drama social de seus habitantes. Não há políticas estruturantes para a criação de um círculo virtuoso de superação da desigualdade social.
Não por outro aspecto, os autores do Atlas da Exclusão Social levantam a hipótese do esgotamento da atual política de proteção social. Como já opinou o cientista política André Singer, nessa velocidade, levaremos mais tempo para diminuir a desigualdade social brasileira do que levamos para acabar com a escravidão no Brasil!
A situação social é miserável porque a opção política é mais miserável ainda!
Não havendo qualquer inflexão nesse rumo das políticas públicas, que têm como orientação política conciliar interesses tão antagônicos quanto os existentes nas duas pontas da pirâmide social de Belágua, e do País como um todo, daqui a mais dez anos, em um novo balanço, talvez os dados não sejam os mesmos, mas as alterações serão tênues. E só nos restará dizer ao professor Pochmann sobre o seu Atlas da Exclusão Social: Pobre Brasil! Pobre Maranhão!!

(*)  Franklin Douglas - jornalista e professor, doutorando em Políticas Públicas (UFMA), escreve ao Jornal Pequeno aos domingos, quinzenalmente. Publicado na edição de 02/11/2014, opinião.