sábado, 10 de fevereiro de 2024

MARIA ARAGÃO: HEROÍNA DA PÁTRIA!

Jornal Pequeno, 10 fev. 2024, p. 08


Há 114 anos nascia Maria José Camargo Aragão (10/02/1910 – 23/07/1991), em Engenho Central, atual município de Pindaré-Mirim. A nossa mulher maranhense do século XX!

Em 2001, por votação popular, iniciativa promovida pela TV Globo e afiliadas nos diversos estados brasileiros, a fim de eleger as mais importantes personagens históricas de cada unidade da federação, na virada do século 20 para o 21, ela figurou entre os dez finalistas. Em votação em urnas colocadas nas praças e shoppings, Maria ficou atrás apenas de João do Vale, escolhido, com 61 mil votos, o “Maranhense do Século”.

Era a terceira de sete filhos do casal Emídio Aragão e Rosa Camargo. A mais destemida em cumprir a orientação da mãe, analfabeta, que queria ver os filhos formados e doutores. No início do século XX, o máximo que uma mulher poderia sonhar era ser professora normalista. Após formar-se como professora no Maranhão, Maria, ante adversidades de alguém que passara fome na infância, estudante pobre, mulher, negra, do interior do estado, decidiu seguir ao Rio de Janeiro para arrancar de seu destino a improvável possibilidade de ser médica. Ousou lutar, ousou vencer! Foi uma das quatro mulheres formadas na turma de 1942 da Universidade de Medicina do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – a única mulher maranhense da turma, junto com os também maranhenses Antonio Dino e Carneiro Belfort.

No Rio, outro ato de rebeldia de Maria. A partir de um comício que assistiu de Luís Carlos Prestes, descobriu-se socialista: “Que diabo é ser comunista? Mas ia achando que só podia ser coisa muito séria, porque ele [Prestes] só falou no interesse do povo [...] e quem fala em povo, fala em miséria, fala em fome, fala em todas essas coisas que eu sempre soube. Decidi: Vou entrar para o Partido desse homem” (Maria Aragão – A razão de uma vida, depoimentos a Antonio Francisco, 1992, p. 80).

Por essa opção, Maria virou a ‘Besta Fera”, alcunha que lhe foi dado por segmentos da Igreja Católica, quando retornou ao Maranhão para organizar o PCB. Mas também possuía o respeito de outros padres, a exemplo de Pe. Marcos Passerini, que lhe deu de presente uma placa, onde estava escrito “Praça Maria Aragão”. Para colocar na praça, quando fizerem uma para você, disse-lhe Passerine.

Maria não chegaria a ver a praça e, mais ainda, um Memorial com seu nome –  inaugurados há 20 anos (no dia 24 de junho de 2004, na gestão Tadeu Palácio) –, no local onde ela mais gostava de olhar a beira-mar. E ficaria, sem dúvida, satisfeita de saber que fora projetada por seu camarada Oscar Niemeyer, iniciada na gestão de seu parceiro de lutas Jackson Lago, a partir de ideia de seu amigo Haroldo Saboia, reforçada por aqueles que a conheceram em vida e fundariam o Instituto Maria Aragão para manter viva a memória de suas lutas (como Ironildes Vanderlei, Josefa Batista Lopes, João Otávio Malheiros, César Teixeira, Célia Pires, Lúcia Nascimento, Sylvia Parga, Carlos Nina, dentre outros). 

Maria Aragão recebeu diversas homenagens, a mais marcante delas, em vida, foi ser o tema da Escola Favela do Samba, no carnaval de 1989, por sugestão de Euclides Moreira Neto. Sob o samba-enredo “A peleja contra os dragões da maldade”, de autoria de Escrete e José Henrique Raimundo Gonçalves, Maria viu sua história de vida e suas ideias tomarem conta da passarela do Anel Viário.

Mas ainda falta mais um reconhecimento à trajetória dessa magnífica mulher: ter o nome dela inscrito no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Criado em 1992, por iniciativa do então senador Marco Maciel (PE), o livro reúne protagonistas da liberdade e da democracia que marcaram a vida ao país em algum momento da história.

Nesse livro, figuram, até o momento, 79 personagens: 63 homens e 16 mulheres. Lá estão heróis do país, em todos os seus espectros: De Duque de Caxias a Zumbi dos Palmares; de D. Pedro I a “Tiradentes”; Zilda Arns e Chico Xavier; Machado de Assis e Luís Gama; do Barão do Rio Branco a Chico Mendes... Nenhum maranhense.

Em 2016 e em 2019, tentou-se inscrever Maria nesse Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Nem Rubens Júnior nem Bira do Pindaré conseguiram – autores de projetos de lei naquelas legislaturas, respectivamente. Em 2022, a senadora Eliziane Gama conseguiu aprovar no Senado Federal essa indicação. Para que o nome seja inscrito no Livro de Aço, o Projeto de Lei 761/2022 precisa ser aprovado também na Câmara dos Deputados. Lá, está agora sob responsabilidade da relatora, a deputada Roseana Sarney (MDB).

Que não se interdite essa justa homenagem a Maria Aragão! Ela mais que merece ser nossa autêntica Heroína da Pátria, no Livro de Aço do Congresso Nacional, uma vez que já está consagrada como heroína no coração de seus conterrâneos.

Viva Maria, heroína do povo brasileiro!

 

(*) Franklin Douglas – professor e doutor em Políticas Públicas.


segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Uma benção para a cidade?

O Imparcial, 05 fev. 2024, p. 02

Franklin Douglas (*)

Carnaval é bom e muita gente gosta. Prefeito em época de reeleição, nem se conta! É tempo de marchinha para tudo enquanto é gosto. Em São Luís, ao custo do atraso do pagamento de artistas locais, do não pagamento dos selecionados no edital da Lei Paulo Gustavo e a uma política cultural “pão e circo” para ludibriar o povo, o período momesco parece que será uma benção para a cidade! E que benção (ao menos, aos amigos do prefeito!). E não do senhor, mas do Orçamento Público do Município...

Explico: uma escola de ensino fundamental pré-escolar, o Instituto “Juju e Cacaia Tu és uma benção”, receberia da Secretaria de Cultura (SECULT) cerca de R$ 7 milhões para organizar o carnaval da cidade. Uma escolinha comunitária expert em organizar festas momescas...

Graças ao grito do jornalista Gláucio Ericeira, a folia com o dinheiro público não passou ocultada por confetes e serpentinas da propaganda da Prefeitura e o prefeito Eduardo Braide foi obrigado a cancelar o contrato com a “Juju e Cacaia Tu és uma benção”. O qual ele sabia da existência, atesta a chefe de gabinete exonerada da SECULT, em entrevista à TV Mirante.

Mas não fosse um verdadeiro escândalo uma escola comunitária da Cidade Olímpica receber sete milhões de reais para organizar o carnaval de uma cidade inteira, descobre-se, ainda, que a escolinha comunitária é multitarefas para o dinheiro público:

(i) Serve para tocar projeto na área do Patrimônio Histórico... tem contrato com a Prefeitura para receber R$ 800 mil a fim de dar vida ao Complexo Cultural Bumba meu Boi no Anel Viário;

(ii)  Serve para organizar São João... em 2023, recebeu R$ 290 mil da SECULT para as festas juninas;

(iii) Serve para evento religioso... também em 2023, via emenda parlamentar do irmão do prefeito, o deputado estadual Fernando Braide, recebeu R$ 300 mil da SECMA para o São Luís Gospel.

Uma verdadeira benção essa escolinha!

Se o jornalismo investigativo trouxe o fio do novelo, cabem ao Ministério Público, ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) e à Câmara Municipal desenrolar o novelo inteiro.

Quem está por trás da “Juju e Cacaia”? Quais outros contratos ela mantém com a Prefeitura de São Luís? Quais vínculos políticos sustentam a escola comunitária para ganhar tantos contratos com a Prefeitura? Desde quando essa organização da sociedade civil atua junto ao município?

 Assine aqui - CPI DA SECULT JÁ


Questões que uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) poderia investigar e jogar luz. Responsabilidade que o presidente da Câmara Municipal, o vereador Paulo Victor, presidente municipal do PSB, não pode fugir!

Mais do que uma benção, a opinião pública e a cidadania ativa da cidade exigem esclarecimentos.

Não se escondam sob as máscaras de fofões, vereadores e vereadoras!

CPI DA SECULT JÁ!


(*) Franklin Douglas – professor e doutor em Políticas Públicas.

sábado, 3 de fevereiro de 2024

A ESQUERDA SUMIU?

 




A ESQUERDA SUMIU?

Franklin Douglas (*)


Em sua coluna “Bastidores”, de 6 e 7 de janeiro de 2024, em O Imparcial, o jornalista Raimundo Borges fez uma provocativa reflexão acerca do paradeiro da esquerda no Maranhão. Sem titubear, carimba um sumiço na “gauche” maranhense, especialmente com Flávio Dino fora da política. Para o debate proposto, entretanto, há que se questionar: a esquerda sumiu de qual espaço mesmo?

Se nos referirmos ao Poder Executivo maranhense, sumiu de onde nunca esteve!

Explico: nem em 2006, com Jackson Lago (PDT) liderando a Frente de Libertação do Maranhão (PDT, PPS, PRB – e, no segundo turno, com o reforço da “Povo no Poder” – PSB, PT, PCdoB, PRB, PMN), nem com Flávio Dino (PCdoB), em 2014, à frente da coligação “Todos pelo Maranhão” (PCdoB, PSDB, PP, SD, PROS, PSB, PDT, PTC, PPS), a esquerda controlou o Governo do Estado. Em ambos os casos, foi a cereja de um bolo preparado no forno da estrutura oligárquica maranhense. Nas duas oportunidades, PSOL, PSTU e PCB expuseram isso em suas campanhas.

Em 2006, embora em enfrentamento direto com a autêntica expressão da oligarquia, Roseana Sarney (PMDB), a quem derrotou, Jackson só logrou êxito com a ajuda do dissidente José Reinaldo Tavares (ex-PFL, ex-PSB, PSDB). No governo, mal controlou a agenda, ainda que com grande sensibilidade para a participação popular. Mas não foi capaz de evitar, por exemplo, a famigerada Lei do Cão contra os professores, bancada pelos setores conservadores daquele “Condomínio do Poder”, na formulação do Prof Dr Wagner Cabral (História/UFMA).

Em 2014, com os pés nos dois palanques presidenciais (Dilma Rousseff-PT e Aécio Neves-PSDB), Dino herdou o acúmulo de forças das oposições no desgastante processo que José Sarney conduziu, com toda a sanha por vingança possível, a cassação de Lago no Tribunal Superior Eleitoral. Jackson anteciparia o cerco, em 2009, do que viria a ser um golpe judicial que derrubaria Dilma da Presidência, anos depois, em 2016. Sem fazer muita força, Dino derrotou Lobão Filho (PMDB), abandonado à própria sorte até por Roseana Sarney.

Ao final daquela eleição, publiquei em artigo uma avaliação sobre aquele pleito:

A metamorfose dinista, entre 2006 e 2014, foi mais acelerada do que se supunha:

(1) de oposição de esquerda (fora dele a invenção do discurso do “pós-Sarney”, em 2006, e do “enfrentamento às oligarquias Sarney e Lago”, em 2008) transitou aceleradamente para

(2) oposição consentida (em 2008, quando teve o voto de Roseana Sarney e Gastão Vieira, no segundo turno das eleições para prefeito de São Luís), saltando à dissidência oligárquica, sob comando de José Reinaldo, Humberto Coutinho e Roberto Rocha, para incorporar

(3) a oposição conservadora, a partir do apoio que buscou e recebeu, de lideranças como José Vieira e os tucanos João Castelo e Sebastião Madeira; às vésperas da eleição, sua candidatura (ex-oposição de esquerda; ex-oposição consentida; ex-oposição conservadora) constitui-se

(4) a opção por dentro do próprio sistema oligárquico de poder [...]” (DOUGLAS, Franklin. A lógica de reprodução do poder oligárquico no Maranhão, 05/10/2014).

No governo, mesmo com uma acentuada sensibilidade social, Flávio Dino não obteve êxito no combate à pobreza, na melhoria do IDH. Prevaleceu substancialmente o “choque de capitalismo” prometido na campanha.  O que ficou ocultado frente a seu correto combate ao governo Bolsonaro, ainda que flertando com setores do bolsonarismo, nacional e local. Segurou o quanto pode, mas, com o seu sucessor à frente, Carlos Brandão (ex-PSDB, ex-PRB, PSB), os setores conservadores do condomínio dinista impuseram uma Lei de Terras que ameaça o Maranhão. Uma Lei de Terras de Sarney (1969) revigorada no que poderia ser pior para trabalhadores e trabalhadoras do campo, quilombolas, povos tradicionais e o meio ambiente do estado.

A esquerda não sumiu, visto que nunca esteve efetivamente no controle do Poder Executivo!

E no Poder Legislativo? Desde 1978, a esquerda nunca passou de meia dúzia de deputados estaduais, um ou dois deputados federais. Talvez, atualmente, o que sumiu mesmo do parlamento foi a disposição de luta, de enfrentamento e denúncia das mazelas do Estado. Outrora uma marca da esquerda maranhense no parlamento. Decorre desse cenário a máxima do governador Carlos Brandão: “não temos oposição, são 42 deputados estaduais nos apoiando”.

Dito isto, de onde a esquerda nunca sumiu? Diria que das ruas, ainda que diminuta em sua mobilização popular. Não obstante enfrentando uma completa mudança de geração e de instrumentos de luta, sob o desafio de reinventar-se nas ruas e nas redes sociais.

E ousaria alertar: de onde nunca poderá desaparecer? De seu projeto histórico!

Até o fim dos anos 1990, tínhamos uma esquerda militante, presente nas bases, no trabalho de formiguinha. Nos tenebrosos tempos atuais, essa militância diária parece ter se deslocado com todo o gás para a extrema-direita. Por sinal, foi preciso a extrema-direita emergir, a partir de 2018, para a esquerda dar-se conta de que só ela pode assumir o papel antagônico ao projeto conservador reacionário em curso.

Ainda que minoria, embora em desvantagem na correlação de forças, a esquerda persiste na sua tarefa histórica irrenunciável: a da luta por uma sociedade igualitária, libertária, distante do latifúndio, das estruturas oligárquicas, opressoras, humilhantes e autoritárias de poder. Luta que ainda se trava no Brasil e o no Maranhão. Dessas batalhas, a esquerda autêntica nunca sumiu nem desaparecerá! É seu destino ser um “anjo torto” na vida, como diria Carlos Drummond de Andrade.

 

(*) Franklin Douglas – professor e doutor em Políticas Públicas.