domingo, 29 de março de 2020

CORONAVÍRUS: A CONTA DO CAOS

O grito, por Bernard Pras


Franklin Douglas (*)

VÃO FALTAR RESPIRADORES. A tese não é minha, mas do biólogo e professor da USP Fernando Reinach, pós-doutor pela Universidade de Cambridge. Ele chegou a essa conclusão a partir de cálculos projetados no cenário otimista. Há dois outros: o médio e o pessimista. Para o cálculo no cenário otimista, basta:

1º) estimar que 1% da população será contaminada;
2º) desse 1% com coronavírus, calcular que 95% não precisará de um leito hospitalar com respirador artificial;
3º) frente à demanda, comparar com a quantidade de respiradores disponíveis.

Pois bem, para ter ideia do que nos espera, basta desenvolvermos esse raciocínio para nossa realidade. Na capital maranhense, seguindo a metodologia do professor, no cenário otimista, com menor número de casos, estimemos que apenas 1% da população será infectada pelo Covid-19. Em São Luís, cidade de 1.101.884 (um milhão, cento e um mil, oitocentos e oitenta e quatro) habitantes, projetaríamos algo em torno de 11 mil pessoas doentes.

Na projeção do pesquisador da USP, 95% (pensando o melhor cenário) não precisarão ser internados. Terão condições de enfrentar o coronavírus em casa mesmo – como se fosse só uma “gripezinha” ou um “resfriadozinho”.

Em São Luís, se 11 mil pessoas forem infectadas, estamos falando de 5% que necessitarão de internação hospitalar. Ou seja: precisaremos de 550 respiradores artificiais. Na capital, a Prefeitura de São Luís projeta 200 leitos de UTI com esses equipamentos. Almeja adquirir 50 novos respiradores para o mês de maio. Se o planejamento para os respiradores for semelhante ao da campanha de vacinação do H1N1, já sabemos o que nos espera...

Então, no melhor cenário, no pico da epidemia na capital, mesmo nem todos precisando simultaneamente desse equipamento (fora considerar que o tempo de uso será, em média, mais do que uma semana, por paciente), não teremos como socorrer a 550 pacientes de coronavírus. Quem escolherá quem morrerá ou quem será tratado? E se um desses 550 for um parente seu? (sua mãe ou seu pai, seu avô ou sua avó, seu filho ou sua filha?...)

E em todo o Maranhão? O estado reúne apenas 1.064 ventiladores atualmente! O Governo do Estado esforça-se para termos outros 800 novos respiradores para toda a rede estadual (pública e privada). Cada equipamento desse custa R$ 70 mil, em média. Apenas quatro empresas o fabricam no país: Vyaire, Takaoka, Leistung e Magnamed. Todas estão abarrotadas de pedidos.

O Maranhão tem a 13ª pior situação em número de respiradores no país. No Nordeste, ficamos atrás de Bahia (3.194), Pernambuco (2.897) e Ceará (2.137). São Paulo concentra a maior quantidade: 18.548 respiradores artificiais. Lá, Governo Estadual e Prefeitura da capital tentam viabilizar 345 equipamentos, em 15 dias, para os leitos do hospital de campanha que está em montagem no estádio do Pacaembu e no Anhembi.

No cenário mais otimista, para superar essa pneumonia viral, no total de 6.574.789 habitantes, estamos falando da necessidade de mais de 3.200 respiradores artificiais na rede hospitalar maranhense. Isso, sem contar a necessidade de médicos, enfermeiros e fisioterapeutas para monitorarem esses equipamentos e, ainda, que haverá doentes de outras enfermidades também em busca de socorro (cardíacos, acidentes de trânsito, etc.).

COMPREENDE AGORA A GRAVIDADE DA SITUAÇÃO?! No cenário mais otimista, não temos como cuidar de todos os doentes. Não haverá leitos para todos que precisarem, sejam ricos, pobres, velhos ou jovens. Imagine se não for 1% da população a ser contaminada, mas muito mais do que isso!!

Se não houver uma quebra na curva de contaminação do vírus, que somente o distanciamento social possibilita, é disso que se fala quando se refere a um colapso do sistema de saúde. O Maranhão, até o momento, não está com poucos casos porque a pandemia é balela, mas por ter optado, desde cedo, pela estratégia do isolamento social – além, também, de termos um baixo índice de notificação (casos que sequer são identificados como Covid-19).

Mas há quem, no Palácio do Planalto, em Brasília, ou na Avenida Litorânea, em São Luís, minimize esse problema, e apoie carreatas para o país não parar. Na Itália, o prefeito de Milão se arrependeu por minimizar o coronavírus. Mais de 10 mil italianos já pagaram com a vida por esse erro. Querem o caminho da Itália para nós?!

Como diz o ditado, errar é humano, mas repetir o erro, nesse caso, é mais do que burrice!



(*) Franklin Douglas – professor e doutor em Políticas Públicas. E-mail: franklin.artigos@gmail.com

Artigo publicado no  jornal O Imparcial (29.03.2020, p. 05)

domingo, 22 de março de 2020

HORA DE UMA IRMÃ AJUDAR OUTRA

 Franklin Douglas (*)

Há cinco anos, no dia 29 de abril de 2015, a Prefeitura de São Luís assinou o acordo Cidades-Irmãs com a cidade chinesa de Wuhan. Sim, cara leitora, caro leitor, exatamente com a cidade onde o surto de Coronavírus surgiu no mundo. E onde, também lá, atualmente, temos a mais exitosa experiência de enfrentamento à pandemia de COVID-19.

Wuhan mantém esse acordo com cerca de 30 entes públicos no mundo. No Brasil, somente o Estado do Rio Grande do Sul e o município de São Luís (MA) têm essa parceria firmada. A cidade chinesa desenvolve esse projeto desde 1979, mas intensificou as parcerias internacionais, a partir dos anos 2000.

Com a capital maranhense, o acordo visa parcerias nas áreas de economia, comércio, cultura, educação, esporte, indústria, agricultura, entre outras. A comitiva do poder público municipal da cidade em visita oficial à cidade chinesa, em 2015, foi liderada pelo secretário de saúde, Lula Filho.

Cidade de 3.500 anos, Wuhan tem muito a nos ensinar. Trata-se de um município de 10 milhões de habitantes (é dez vezes maior que São Luís), oitava cidade mais populosa da China, cresce a taxa de 11% ao ano, possui o terceiro maior centro científico do país e o que nos interessa: acumulou expertise ao conseguir controlar a COVID-19 e curar 78 mil infectados dentre seus habitantes.

Como controlou o surto no país, a China agora tem enviado o material excedente que fabricou para ajudar diversos países a enfrentar a COVID-19:
a) Para a Coreia do Sul, despachou um milhão de máscaras;
b) Ao Irã, remeteu 250 mil máscaras e 5 mil kits de exame;
c) À Venezuela, expediu 70 toneladas de equipamentos e remédios;
d) Para a Espanha e a Itália, destinou 1 milhão e 800 mil máscaras, 30 toneladas de suprimentos médicos, 2.500 óculos de proteção para os médicos, 700 equipamentos, incluindo monitores e suporte ventilatório para internações (intubação e respiradores), além de uma equipe de médicos;
e) À cidade do Porto (Portugal), a partir de articulação da Câmara de Vereadores de lá, enviou 50 respiradores artificiais.
Desses exemplos listados, a Coreia do Sul é um dos entes que mantém o acordo Cidades-Irmãs com Wuhan. Ou seja: temos a faca e o queijo na mão! Um acordo formalmente firmado e uma Cidade-Irmã que está ajudando outras localidades do planeta a controlar o coronavírus.



Dentre as 16 medidas que elaborei na proposta “Um plano de contingência para a COID-19 em São Luís”, com a colaboração do professor do curso de Medicina da UFMA Antonio Gonçalves (doutor em Fisiopatologia Clínica e Experimental pela UERJ), uma delas referia-se à parceria com o governo chinês. Exatamente por essas potenciais parcerias que foram enumeradas anteriormente. Percebi alguma resistência, aqui e ali, por onde a proposta circulou.
Alerto: nessa batalha contra o coronavírus, é tempo de deixar a rinha e o preconceito ideológicos em segundo plano. É hora apostar nos acertos que, pelo mundo, confirmaram-se no combate à COVID-19. Não vacilemos!
O Governo do Estado está sendo ágil e correto. A Prefeitura de São Luís, após alguma lentidão para perceber a gravidade da situação, começou a se movimentar também acertadamente. Mas, nessa pandemia, é tempo de coragem, agilidade, solidariedade. É o momento de colocar a política de saúde na frente da ideopolítica eleitoral. São vidas de nossa gente em jogo.

Tudo conta. Inclusive pedir ajuda da cidade que se considera nossa irmã! Recorramos à Wuhan.

(*) Franklin Douglas – professor e doutor em Políticas Públicas. E-mail: franklin.artigos@gmail.com

Artigo publicado no Jornal O Estado do Maranhão (edição de fim de semana - 21 e 22/03/2020, p. 04) e no jornal O Imparcial (22.03.2020, p. 04)

quinta-feira, 19 de março de 2020

O ESTADO MORREU. VIVA O ESTADO!


      Franklin Douglas (*)

Nada mais parecido com um estatista do que um neoliberal sob uma pandemia de Coronavírus. Em “História da Riqueza do Homem” (1936), Leo Huberman demonstra como o credo liberal, segundo o qual o desenvolvimento das forças econômicas se deu independente do Estado, não passa de uma grande lorota. Estradas, comunicações, urbanização das cidades e tudo o mais se ergueram a partir do Estado nacional. A “mão invisível do mercado” não resiste a uma crise, seja econômica, seja sanitária.

E, assim, no Brasil e no mundo, o discurso de “a tudo privatizar” vai caindo por terra, país por país onde o neoliberalismo reergueu-se nos fins da segunda década dos anos 2000 – sobretudo diante de uma pandemia como a COVID-19.

No Brasil, é um salve ao SUS (Sistema Único de Saúde) atrás de outro em defesa da pesquisa científica e de nossos hospitais públicos. O discurso da privatização não se sustenta e R$ 145 bilhões são injetados para salvar a economia da crise trazida pela pandemia que ataca a ricos e pobres.

E, dessa forma, governos liberais, como João Dória (PSDB/SP) ou Ronaldo Caiado (DEM/GO), determinam a paralisação do comércio, intervêm no “livre” mercado e fecham shoppings. É a mão forte do Estado tentando salvar ricos e pobres – mais os ricos do que os pobres! – do vírus considerado o inimigo invisível, como se referiu outro liberal, o presidente francês Emannuel Macron.
Por sinal, partiu do francês a suspensão dos pagamentos das contas de luz, água e gás. Também suspendeu a reforma da Previdência no país. Por sua vez, a Itália iniciou a reestatização dos hospitais. Donald Trump, nos Estados Unidos, retomou a ideia de um cheque cidadão de mil dólares aos americanos pobres.
Com o neoliberalismo nas cordas, é tempo de o povo brasileiro retomar a campanha pela revogação da Emenda 95, que congelou por 20 anos os investimentos em saúde e educação. Ao apresentar o pedido de calamidade pública, o ultraneoliberal Paulo Guedes piscou. É hora de avançar. Não basta deixar o orçamento brasileiro sem amarras só em 2020. É preciso tirar a cangalha que sufoca o Sistema Único de Saúde para enfrentarmos para valer a pandemia global que age forte no local.

Nesse sentido, não há o que tergiversar em terras maranhenses, sob governos comunista (PCdoB) e trabalhista (PDT). Após certa lentidão, a Prefeitura de São Luís, por meio do Decreto nº 58.890/2020, determinou algumas ações necessárias ao enfrentamento da CONVID-19. Incorporou 05 medidas de 18 que elenquei na proposta “Um plano de contingência para aCONVID-19 em São Luís” (aqui). Parabéns! Ignorou no decreto, contudo, as crianças e os trabalhadores de baixa renda:
1. Não exigiu da CEMAR a suspensão das taxas de luz dos consumidores de baixa renda;
2. Não reivindicou do Governo do Estado aliado a suspensão das contas de água da CAEMA aos mais pobres;
3. Não propôs uma estratégia para distribuição de cestas de alimentação escolar às crianças que estão com as aulas suspensas por 15 dias.


O combate ao Coronavírus exige colocarmos a política de saúde na frente da política eleitoral! É tempo de coragem, agilidade, grandeza e colaboração, de organizações públicas e privadas, a fim de evitar a morte de muitos de nossa gente.
Nos anos 1400, surgiu na França a máxima “O rei morreu. Viva o rei!” para afirmar a autocracia monárquica e a continuidade do comando da coroa, elevando um rei imediatamente após a morte do outro.
Pois bem, nos tempos de Coronavírus, em que teses neoliberais naufragam, é tempo de ação do Estado em prol da população, aquela que, pelos seus tributos, lhe sustenta, e, pelos seus votos, dá-lhe legitimidade. Então, se o Estado (liberal) morreu, viva o Estado (social)!


(*) Franklin Douglas – professor e doutor em Políticas Públicas. E-mail: franklin.artigos@gmail.com

Artigo publicado no Jornal Pequeno (19.03.2020, p. 06) e no jornal O Imparcial (19.03.2020, p. 04)

quinta-feira, 5 de março de 2020

PARA NÃO DIZER “EU AVISEI”



Um urubu, um avião, várias vidas em risco e R$ 143 milhões de multa. Eis o resumo de 23 anos – até o momento – da disputa judicial entre o Ministério Público do Estado (MPE), o Governo do Maranhão e a Prefeitura de São Luís em torno do Aterro da Ribeira, a possível causa do incidente noticiado no último final de semana de colisão entre um avião da companhia aérea Latam e um urubu.

A petição inicial do processo é de 29 de abril de 1997. Fora o tempo do inquérito civil promovido pelo MPE, de 21 de maio de 1996.

O quis diz a Infraero? Que há riscos para a aviação que ocorre em virtude do desequilíbrio causado pela operação irregular do Aterro da Ribeira, que provoca uma concentração de urubus na área, a qual está próxima ao cone de aproximação de pouso, usado em 90% das operações de voo do Aeroporto Marechal Cunha Machado.

O caso do “Aterro da Ribeira” me chamou a atenção como estudioso do direito ambiental. A lide se prorroga no tempo, mesmo já tendo sentença judicial proferida e confirmada pelo Tribunal de Justiça do Maranhão. O processo tem peculiaridades surpreendentes, entre as quais:
a) levou 6 anos para definir um perito e ter um laudo pericial – somente concluso em 2002;
b) ficou perdido por 4 anos dentro de uma caixa de arquivo;
c) só teve sentença proferida 11 anos depois de protocolada;
d) a sentença transitou em julgado em 18 de novembro de 2009, mas 11 depois o cumprimento da sentença se arrasta, o que levou o juízo do caso a decretar uma multa de R$ 143.000,00 (centro e quarenta e três milhões reais) para obrigar Prefeitura e Governo a cumprirem a sentença a qual foram condenados.
E o que determina a sentença?
Considerando válidos os argumentos do MPE e o laudo pericial, constatando que o sistema de tratamento de enxofre é ineficaz, o não funcionamento do aterro como sanitário, a desobediência à Resolução 4/1995 do CONAMA e a falta de manutenção de distância de 7,4 km de aterros em relação a cones de aproximação de aeroportos, a sentença determina:
1. A anulação do Estudo de Impacto Ambiental e de todo o processo de licenciamento do aterro;
2. A obrigação ao Estado do Maranhão de não conceder licença de operação ao aterro;
3. A imposição à Prefeitura de São Luís da elaboração de uma auditoria ambiental, de um novo Estudo de Impacto Ambiental e da construção de novo aterro sanitário fora do cone de aproximação das aeronaves.
O Governo do Estado recorre da multa de 143 milhões. A Prefeitura de São Luís não cumpre uma determinação do poder judiciário.
Será preciso mesmo um acidente no aeroporto de São Luís, vitimando passageiros e população moradora do entorno do Aeroporto Cunha Machado para o poder público tomar as providências devidas?
Como pesquisador e docente, tenho a obrigação de trazer a público essas informações do processo do “Aterro da Ribeira”, a fim de sensibilizar opinião pública e autoridades para a gravidade da situação.
Como ser humano, torço para que eu nunca tenha que dizer, frente a uma catástrofe anunciada como essa, “eu avisei”...
Que esse processo não chegue às bodas de prata. E que não tenhamos nenhuma colisão entre um urubu e um avião, nenhuma vida em risco e nenhuma multa milionária sendo imposta para o Poder Público cumprir o seu dever, para apenas fazer a coisa certa!


(*) Franklin Douglas – professor e doutor em Políticas Públicas. E-mail: franklin.artigos@gmail.com


Artigo publicano no jornal O Estado do Maranhão (05/03/2020, p. 04 - opinião)