quinta-feira, 5 de março de 2020

PARA NÃO DIZER “EU AVISEI”



Um urubu, um avião, várias vidas em risco e R$ 143 milhões de multa. Eis o resumo de 23 anos – até o momento – da disputa judicial entre o Ministério Público do Estado (MPE), o Governo do Maranhão e a Prefeitura de São Luís em torno do Aterro da Ribeira, a possível causa do incidente noticiado no último final de semana de colisão entre um avião da companhia aérea Latam e um urubu.

A petição inicial do processo é de 29 de abril de 1997. Fora o tempo do inquérito civil promovido pelo MPE, de 21 de maio de 1996.

O quis diz a Infraero? Que há riscos para a aviação que ocorre em virtude do desequilíbrio causado pela operação irregular do Aterro da Ribeira, que provoca uma concentração de urubus na área, a qual está próxima ao cone de aproximação de pouso, usado em 90% das operações de voo do Aeroporto Marechal Cunha Machado.

O caso do “Aterro da Ribeira” me chamou a atenção como estudioso do direito ambiental. A lide se prorroga no tempo, mesmo já tendo sentença judicial proferida e confirmada pelo Tribunal de Justiça do Maranhão. O processo tem peculiaridades surpreendentes, entre as quais:
a) levou 6 anos para definir um perito e ter um laudo pericial – somente concluso em 2002;
b) ficou perdido por 4 anos dentro de uma caixa de arquivo;
c) só teve sentença proferida 11 anos depois de protocolada;
d) a sentença transitou em julgado em 18 de novembro de 2009, mas 11 depois o cumprimento da sentença se arrasta, o que levou o juízo do caso a decretar uma multa de R$ 143.000,00 (centro e quarenta e três milhões reais) para obrigar Prefeitura e Governo a cumprirem a sentença a qual foram condenados.
E o que determina a sentença?
Considerando válidos os argumentos do MPE e o laudo pericial, constatando que o sistema de tratamento de enxofre é ineficaz, o não funcionamento do aterro como sanitário, a desobediência à Resolução 4/1995 do CONAMA e a falta de manutenção de distância de 7,4 km de aterros em relação a cones de aproximação de aeroportos, a sentença determina:
1. A anulação do Estudo de Impacto Ambiental e de todo o processo de licenciamento do aterro;
2. A obrigação ao Estado do Maranhão de não conceder licença de operação ao aterro;
3. A imposição à Prefeitura de São Luís da elaboração de uma auditoria ambiental, de um novo Estudo de Impacto Ambiental e da construção de novo aterro sanitário fora do cone de aproximação das aeronaves.
O Governo do Estado recorre da multa de 143 milhões. A Prefeitura de São Luís não cumpre uma determinação do poder judiciário.
Será preciso mesmo um acidente no aeroporto de São Luís, vitimando passageiros e população moradora do entorno do Aeroporto Cunha Machado para o poder público tomar as providências devidas?
Como pesquisador e docente, tenho a obrigação de trazer a público essas informações do processo do “Aterro da Ribeira”, a fim de sensibilizar opinião pública e autoridades para a gravidade da situação.
Como ser humano, torço para que eu nunca tenha que dizer, frente a uma catástrofe anunciada como essa, “eu avisei”...
Que esse processo não chegue às bodas de prata. E que não tenhamos nenhuma colisão entre um urubu e um avião, nenhuma vida em risco e nenhuma multa milionária sendo imposta para o Poder Público cumprir o seu dever, para apenas fazer a coisa certa!


(*) Franklin Douglas – professor e doutor em Políticas Públicas. E-mail: franklin.artigos@gmail.com


Artigo publicano no jornal O Estado do Maranhão (05/03/2020, p. 04 - opinião)

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