sábado, 3 de fevereiro de 2024

A ESQUERDA SUMIU?

 




A ESQUERDA SUMIU?

Franklin Douglas (*)


Em sua coluna “Bastidores”, de 6 e 7 de janeiro de 2024, em O Imparcial, o jornalista Raimundo Borges fez uma provocativa reflexão acerca do paradeiro da esquerda no Maranhão. Sem titubear, carimba um sumiço na “gauche” maranhense, especialmente com Flávio Dino fora da política. Para o debate proposto, entretanto, há que se questionar: a esquerda sumiu de qual espaço mesmo?

Se nos referirmos ao Poder Executivo maranhense, sumiu de onde nunca esteve!

Explico: nem em 2006, com Jackson Lago (PDT) liderando a Frente de Libertação do Maranhão (PDT, PPS, PRB – e, no segundo turno, com o reforço da “Povo no Poder” – PSB, PT, PCdoB, PRB, PMN), nem com Flávio Dino (PCdoB), em 2014, à frente da coligação “Todos pelo Maranhão” (PCdoB, PSDB, PP, SD, PROS, PSB, PDT, PTC, PPS), a esquerda controlou o Governo do Estado. Em ambos os casos, foi a cereja de um bolo preparado no forno da estrutura oligárquica maranhense. Nas duas oportunidades, PSOL, PSTU e PCB expuseram isso em suas campanhas.

Em 2006, embora em enfrentamento direto com a autêntica expressão da oligarquia, Roseana Sarney (PMDB), a quem derrotou, Jackson só logrou êxito com a ajuda do dissidente José Reinaldo Tavares (ex-PFL, ex-PSB, PSDB). No governo, mal controlou a agenda, ainda que com grande sensibilidade para a participação popular. Mas não foi capaz de evitar, por exemplo, a famigerada Lei do Cão contra os professores, bancada pelos setores conservadores daquele “Condomínio do Poder”, na formulação do Prof Dr Wagner Cabral (História/UFMA).

Em 2014, com os pés nos dois palanques presidenciais (Dilma Rousseff-PT e Aécio Neves-PSDB), Dino herdou o acúmulo de forças das oposições no desgastante processo que José Sarney conduziu, com toda a sanha por vingança possível, a cassação de Lago no Tribunal Superior Eleitoral. Jackson anteciparia o cerco, em 2009, do que viria a ser um golpe judicial que derrubaria Dilma da Presidência, anos depois, em 2016. Sem fazer muita força, Dino derrotou Lobão Filho (PMDB), abandonado à própria sorte até por Roseana Sarney.

Ao final daquela eleição, publiquei em artigo uma avaliação sobre aquele pleito:

A metamorfose dinista, entre 2006 e 2014, foi mais acelerada do que se supunha:

(1) de oposição de esquerda (fora dele a invenção do discurso do “pós-Sarney”, em 2006, e do “enfrentamento às oligarquias Sarney e Lago”, em 2008) transitou aceleradamente para

(2) oposição consentida (em 2008, quando teve o voto de Roseana Sarney e Gastão Vieira, no segundo turno das eleições para prefeito de São Luís), saltando à dissidência oligárquica, sob comando de José Reinaldo, Humberto Coutinho e Roberto Rocha, para incorporar

(3) a oposição conservadora, a partir do apoio que buscou e recebeu, de lideranças como José Vieira e os tucanos João Castelo e Sebastião Madeira; às vésperas da eleição, sua candidatura (ex-oposição de esquerda; ex-oposição consentida; ex-oposição conservadora) constitui-se

(4) a opção por dentro do próprio sistema oligárquico de poder [...]” (DOUGLAS, Franklin. A lógica de reprodução do poder oligárquico no Maranhão, 05/10/2014).

No governo, mesmo com uma acentuada sensibilidade social, Flávio Dino não obteve êxito no combate à pobreza, na melhoria do IDH. Prevaleceu substancialmente o “choque de capitalismo” prometido na campanha.  O que ficou ocultado frente a seu correto combate ao governo Bolsonaro, ainda que flertando com setores do bolsonarismo, nacional e local. Segurou o quanto pode, mas, com o seu sucessor à frente, Carlos Brandão (ex-PSDB, ex-PRB, PSB), os setores conservadores do condomínio dinista impuseram uma Lei de Terras que ameaça o Maranhão. Uma Lei de Terras de Sarney (1969) revigorada no que poderia ser pior para trabalhadores e trabalhadoras do campo, quilombolas, povos tradicionais e o meio ambiente do estado.

A esquerda não sumiu, visto que nunca esteve efetivamente no controle do Poder Executivo!

E no Poder Legislativo? Desde 1978, a esquerda nunca passou de meia dúzia de deputados estaduais, um ou dois deputados federais. Talvez, atualmente, o que sumiu mesmo do parlamento foi a disposição de luta, de enfrentamento e denúncia das mazelas do Estado. Outrora uma marca da esquerda maranhense no parlamento. Decorre desse cenário a máxima do governador Carlos Brandão: “não temos oposição, são 42 deputados estaduais nos apoiando”.

Dito isto, de onde a esquerda nunca sumiu? Diria que das ruas, ainda que diminuta em sua mobilização popular. Não obstante enfrentando uma completa mudança de geração e de instrumentos de luta, sob o desafio de reinventar-se nas ruas e nas redes sociais.

E ousaria alertar: de onde nunca poderá desaparecer? De seu projeto histórico!

Até o fim dos anos 1990, tínhamos uma esquerda militante, presente nas bases, no trabalho de formiguinha. Nos tenebrosos tempos atuais, essa militância diária parece ter se deslocado com todo o gás para a extrema-direita. Por sinal, foi preciso a extrema-direita emergir, a partir de 2018, para a esquerda dar-se conta de que só ela pode assumir o papel antagônico ao projeto conservador reacionário em curso.

Ainda que minoria, embora em desvantagem na correlação de forças, a esquerda persiste na sua tarefa histórica irrenunciável: a da luta por uma sociedade igualitária, libertária, distante do latifúndio, das estruturas oligárquicas, opressoras, humilhantes e autoritárias de poder. Luta que ainda se trava no Brasil e o no Maranhão. Dessas batalhas, a esquerda autêntica nunca sumiu nem desaparecerá! É seu destino ser um “anjo torto” na vida, como diria Carlos Drummond de Andrade.

 

(*) Franklin Douglas – professor e doutor em Políticas Públicas.



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