terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

AMOR, COM AMOR SE PAGA (MARIA ARAGÃO: 110 ANOS)


Wagner Baldez, Jarson Vasconcelos e Franklin Douglas,
em visita ao Memorial Maria Argão (10 fev. 2020)

Franklin Douglas (*)

Há 110 anos nascia Maria José de Camargo Aragão: no dia 10 de fevereiro de 1910, em Engenho Central – atual município de Pindaré Mirim (MA).

A moçada dos dias de hoje, os novos médicos, a juventude antifa da atualidade, os coletivos e grupos de meninas feministas e negras talvez pouco conheçam da história dessa maranhense, salvo que ela empresta seu nome a uma praça que fica na Beira-Mar, no Centro de São Luís.

Maria esteve à frente de seu tempo. Por isso, sua mensagem ecoa até os dias de hoje. Tornou-se símbolo síntese de muitas lutas, por suas opções e pelo que a vida lhe reservou.

Era negra, tal qual cerca de 74% da população do estado: mais de 5 milhões de maranhenses, conforme estimativa do IBGE (2019). Era mulher, como mais da metade de população maranhense, mais de 3 milhões de mulheres. O que não lhe garantiu vida fácil. Ao contrário, sofreu todo tipo de adversidade e preconceitos. Maria seria dessas que Euclides da Cunha muito bem poderia chamar de uma sertaneja forte.

A força para enfrentar a vida veio de seu pai, descendente de africanos, e de sua mãe que, mesmo analfabeta, fez questão de enviar os sete filhos para a capital para estudar. Maria era a terceira, dentre os sete.

Mulher... estudar... em plena década de 1930... era muita coisa para uma jovem negra do interior do Maranhão. Mas Maria era do tamanho de suas utopias. Pobre, sem livros – por exemplo, estudava Geografia no horário do recreio, no atlas fixado na parede da sala – realizou o desejo de sua mãe, de vê-la “doutora”, formada no curso Normal (o que lhe propiciaria ser professora), mas Maria sonhava ser outro tipo de doutora. Maria queria ser médica. Muita ousadia! E fez também um supletivo para o curso ginasial, para poder prestar vestibular. Em 1934, aos 24 anos, Maria passou para o vestibular para Medicina, no Rio de Janeiro. Era uma de cinco mulheres da turma. Uma de três maranhenses, junto com Antônio Dino e Carneiro Belfort.

Maria fez medicina não para enriquecer, mas para ajudar ao próximo. Sobreviveu de seu consultório até os 60 anos, quando, só então, obteve seu primeiro emprego público no Maranhão, como médica. Dizia: “Falo mal do governo [José Sarney, 1966-1969], critico o governo, boto no jornal o que ele é e depois vou lá pedir emprego? [...] Não tenho cara para isso!” (Antonio Francisco, “Maria Aragão: a razão de uma vida”, 1992, p. 196). Fora nomeada por Antonio Dino, que assumira o governo, como vice, quando José Sarney se afastou do cargo de governador para concorrer à eleição de Senador, em 1970.

Ela orgulhava-se de dizer: “Minha clientela era constituída pelos desesperados dos bairros, que não tinham condições de pagar uma consulta. [...] Foi tratando de gente pobre, sem nada na vida, que fiz meu nome como médica, e como boa médica” (idem p. 171).

No Rio de Janeiro, em 1945, Maria tomou conhecimento de Luís Carlos Prestes pela primeira vez, no Comício dos 100 mil. Viu alguém que se dizia comunista, algo que Maria não sabia o que significava: “Que diabo é ser comunista?  [...] só pode ser coisa muito séria, porque ele [Prestes] só falou [...] nos problemas do povo. E quem fala em povo, fala em miséria, fala em fome, fala em todas essas coisas que eu sempre soube. Decidi: vou entrar para o partido desse homem” (ibidem, p. 80).

Não foi Prestes que tornou Maria comunista. A dureza da vida, as desigualdades pelas quais passou, o enfrentamento ao preconceito, a condição feminina/negra e a personalidade destemida forjaram Maria José Camargo Aragão como lutadora pela sociedade justa, igualitária, pela emancipação humana.

Maria é símbolo da resistência de seu tempo. Exemplo para vários outros tempos, sobretudo para o atual, que também requer muita resistência, e no qual devemos reafirmar o exemplo de Maria Aragão, pois a razão da vida dela não era individualista, mas coletiva: “[...] sempre fiz o que quis, sem ninguém me apontar o dedo para dizer “vai!” [...] Quando eu era jovem, não havia movimento organizado, mas eu achava que as mulheres tinham de ser como eu era, dona de minha vida”.

Maria foi dona de si e de todos nós, gerações passadas, atual e futuras, porque nos amou como seres humanos.

“Um dia me perguntaram por que, sendo comunista as pessoas gostavam de mim, eu dizia [inspirada no livro escrito por um escritor tcheco enquanto aguardava a execução pelos nazistas]: amor, com amor se paga, eu amo as pessoas!” (p. 221).


(*) Franklin Douglas – professor e doutor em Políticas Públicas. E-mail: franklin.artigos@gmail.com

Artigo publicano no Jornal Pequeno (11/02/2020, p. 02 - segundo caderno)

Em Tempono vídeo abaixo, Wagner Baldez (que foi aluno de Maria), Jarson Vasconcelos e eu (que a conheci nos meus 7 anos), no Memorial Maria Aragão, prestamos nossa homenagem e, ao mesmo tempo, lamentamos pelo descuido em que se encontram o memorial, o local do busto e a praça. Maria merece mais! 




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