A ESQUERDA SUMIU?
Franklin Douglas (*)
Em sua coluna “Bastidores”, de 6 e 7 de janeiro de 2024, em O
Imparcial, o jornalista Raimundo Borges fez uma provocativa reflexão acerca do
paradeiro da esquerda no Maranhão. Sem titubear, carimba um sumiço na “gauche”
maranhense, especialmente com Flávio Dino fora da política. Para o debate
proposto, entretanto, há que se questionar: a esquerda sumiu de qual espaço mesmo?
Se nos referirmos ao Poder Executivo maranhense, sumiu de onde
nunca esteve!
Explico: nem em 2006, com Jackson Lago (PDT) liderando a Frente de
Libertação do Maranhão (PDT, PPS, PRB – e, no segundo turno, com o reforço da
“Povo no Poder” – PSB, PT, PCdoB, PRB, PMN), nem com Flávio Dino (PCdoB), em
2014, à frente da coligação “Todos pelo Maranhão” (PCdoB, PSDB, PP, SD, PROS,
PSB, PDT, PTC, PPS), a esquerda controlou o Governo do Estado. Em ambos os
casos, foi a cereja de um bolo preparado no forno da estrutura oligárquica
maranhense. Nas duas oportunidades, PSOL, PSTU e PCB expuseram isso em suas campanhas.
Em 2006, embora em enfrentamento direto com a autêntica expressão
da oligarquia, Roseana Sarney (PMDB), a quem derrotou, Jackson só logrou êxito
com a ajuda do dissidente José Reinaldo Tavares (ex-PFL, ex-PSB, PSDB). No
governo, mal controlou a agenda, ainda que com grande sensibilidade para a
participação popular. Mas não foi capaz de evitar, por exemplo, a famigerada Lei
do Cão contra os professores, bancada pelos setores conservadores daquele
“Condomínio do Poder”, na formulação do Prof Dr Wagner Cabral (História/UFMA).
Em 2014, com os pés nos dois palanques presidenciais (Dilma Rousseff-PT
e Aécio Neves-PSDB), Dino herdou o acúmulo de forças das oposições no
desgastante processo que José Sarney conduziu, com toda a sanha por vingança
possível, a cassação de Lago no Tribunal Superior Eleitoral. Jackson
anteciparia o cerco, em 2009, do que viria a ser um golpe judicial que derrubaria
Dilma da Presidência, anos depois, em 2016. Sem fazer muita força, Dino
derrotou Lobão Filho (PMDB), abandonado à própria sorte até por Roseana Sarney.
Ao final daquela eleição, publiquei em artigo uma avaliação sobre aquele
pleito:
“A metamorfose dinista, entre 2006 e 2014, foi mais
acelerada do que se supunha:
(1) de oposição de esquerda (fora dele a
invenção do discurso do “pós-Sarney”,
em 2006, e do “enfrentamento às
oligarquias Sarney e Lago”, em 2008)
transitou aceleradamente para
(2) oposição
consentida (em 2008, quando teve o voto de Roseana Sarney e Gastão Vieira,
no segundo turno das eleições para prefeito de São Luís), saltando à
dissidência oligárquica, sob comando de José Reinaldo, Humberto Coutinho e
Roberto Rocha, para incorporar
(3) a oposição
conservadora, a partir do apoio que buscou e
recebeu, de lideranças como José Vieira e os tucanos João Castelo e Sebastião
Madeira; às vésperas da eleição, sua candidatura (ex-oposição de esquerda;
ex-oposição consentida; ex-oposição conservadora) constitui-se
(4) a opção por dentro do próprio
sistema oligárquico de poder [...]” (DOUGLAS, Franklin. A lógica de
reprodução do poder oligárquico no Maranhão, 05/10/2014).
No
governo, mesmo com uma acentuada sensibilidade social, Flávio Dino não obteve
êxito no combate à pobreza, na melhoria do IDH. Prevaleceu substancialmente o
“choque de capitalismo” prometido na campanha. O que ficou ocultado frente a seu correto
combate ao governo Bolsonaro, ainda que flertando com setores do bolsonarismo,
nacional e local. Segurou o quanto pode, mas, com
o seu sucessor à frente, Carlos Brandão (ex-PSDB, ex-PRB, PSB), os setores
conservadores do condomínio dinista impuseram uma Lei de Terras que ameaça o
Maranhão. Uma Lei de Terras de Sarney (1969) revigorada no que poderia ser pior
para trabalhadores e trabalhadoras do campo, quilombolas, povos tradicionais e
o meio ambiente do estado.
A esquerda
não sumiu, visto que nunca esteve efetivamente no controle do Poder Executivo!
E no Poder
Legislativo? Desde 1978, a esquerda nunca passou de meia dúzia de deputados
estaduais, um ou dois deputados federais. Talvez, atualmente, o que sumiu mesmo
do parlamento foi a disposição de luta, de enfrentamento e denúncia das mazelas
do Estado. Outrora uma marca da esquerda maranhense no parlamento. Decorre
desse cenário a máxima do governador Carlos Brandão: “não temos oposição, são
42 deputados estaduais nos apoiando”.
Dito
isto, de onde a esquerda nunca sumiu? Diria que das ruas, ainda que diminuta em
sua mobilização popular. Não obstante enfrentando uma completa mudança de
geração e de instrumentos de luta, sob o desafio de reinventar-se nas ruas e
nas redes sociais.
E ousaria
alertar: de onde nunca poderá desaparecer? De seu projeto histórico!
Até o fim
dos anos 1990, tínhamos uma esquerda militante, presente nas bases, no trabalho
de formiguinha. Nos tenebrosos tempos atuais, essa militância diária parece ter
se deslocado com todo o gás para a extrema-direita. Por sinal, foi preciso a
extrema-direita emergir, a partir de 2018, para a esquerda dar-se conta de que
só ela pode assumir o papel antagônico ao projeto conservador reacionário em
curso.
Ainda que
minoria, embora em desvantagem na correlação de forças, a esquerda persiste na
sua tarefa histórica irrenunciável: a da luta por uma sociedade igualitária, libertária,
distante do latifúndio, das estruturas oligárquicas, opressoras, humilhantes e
autoritárias de poder. Luta que ainda se trava no Brasil e o no Maranhão. Dessas
batalhas, a esquerda autêntica nunca sumiu nem desaparecerá! É seu destino ser
um “anjo torto” na vida, como diria Carlos Drummond de Andrade.
(*)
Franklin Douglas – professor e doutor em Políticas Públicas.