Salvador Fernandes (*)
A histórica e acachapante vitória político-eleitoral, no primeiro turno
das eleições majoritárias de outubro de 2014, imposta pela coalizão liderada
pelo Governador eleito Flávio Dino à oligarquia Sarney, sinalizou, no
imaginário da maioria dos e maranhenses, perspectivas de profundas mudanças na
gestão governamental do Estado. Incluem-se, nesse sentimento coletivo,
esperanças de que esse triunfo eleitoral pudesse redundar na inauguração de
relações transparentes e republicanas entre governo e os grupos e lideranças
políticas estaduais.
Após seis meses de administração - tempo escasso para uma avaliação
balizada do Governo de Flávio Dino, porém, suficiente para se delinear uma
tendência a partir dos atos já executados pelo governador -, indaga-se sobre as
possibilidades de efetivação das transformações propostas. Isso em razão da
superficialidade da ampla composição partidária, exemplificada nos recentes e
direcionados tensionamentos políticos publicizados pelo Senador Roberto Rocha e
pelo Deputado Federal José Reinaldo Tavares - lideranças de proa da coalização
- e do aprofundamento da crise política nacional, fortemente condimentada pela
recessão econômica e pelo retorno do espectro inflacionário.
Sabe-se que a conquista político-eleitoral foi resultante de uma
coalização majoritariamente integrada por forças políticas não pertencentes ao
denominado campo democrático-popular. A simbologia desse arranjo político
expressa-se na vice-governadoria cedida ao PSDB, agremiação que, no terreno
nacional, constitui-se no principal polo aglutinador da oposição às sucessivas
administrações petistas. Foi uma excêntrica combinação política,
pois o Partido do Governador - aliado do PT em todas as disputas presidenciais
posteriores à ditadura militar - sempre prestou um combativo apoio político aos
Presidentes Lula e Dilma.
Essa dilatada coalizão refletiu-se na seleção dos novos gestores
estaduais. No caso do primeiro escalão, os nomes escolhidos ficaram, na sua
maioria, aquém das expectativas de muitos segmentos sociais. Nos demais cargos
comissionados, em pouco se alterou o padrão de nomeação a partir da indicação
dos chefes políticos regionais aliados do governo.
Situação análoga ocorreu na formação da base política no legislativo
estadual. A troca de lado da quase totalidade dos Deputados Estaduais foi
automática, inclusive dos representantes do sarnopetismo. A revoada parlamentar
culminou com a esdrúxula indicação, para a liderança do governo na Assembleia
Legislativa, de um ex-aliado de longas datas da oligarquia. Aqui, verifica-se
que a manifesta condescendência dinista com os governistas de
ocasião, independente da coloração partidária, não se diferencia da malograda
experiência de governabilidade do saudoso Governador Jackson Lago. Esse, à
época, entrelaçado à teia política conservadora, fragilizou-se e perdeu o
necessário pulso político-administrativo para enfrentar as corporações de
interesses fisiológicos, muitas delas encasteladas há décadas em setores
estratégicos da máquina pública estadual.
No plano administrativo, as medidas impactantes dos primeiros meses de
governo propiciaram uma ambiência de mudanças, cujos reflexos repercutem
positivamente nos percentuais de aprovação do governo, registrados nas
primeiras pesquisas de opinião.
O reconhecimento popular do Governo de Flávio Dino ocorre a despeito da
contundente reação do conglomerado midiático da oligarquia. Apagado do jogo
político nacional e acuado pela polícia federal, na esteira da Operação
Lava-Jato, José Sarney assumiu posição de vanguarda na tarefa de tentar
desconstituir a gestão dinista. Utiliza-se de repetidos artigos,
cuja ladainha é sempre o “desgoverno” que teria se apossado do Estado e da
Capital. Traceja sistematicamente uma situação de terra arrasada - mantra
reproduzido, em cadeia estadual, nos noticiários do Sistema Mirante de
Comunicação e nos discursos dos minguados remanescentes de seu grupo no
parlamento estadual. Trata os problemas estruturais do Estado como se fossem
exclusivamente de natureza corrente. O Governador Flávio Dino passou a ser
depositário de todos os atuais males da política maranhense, independentemente
de quando esses tenham sido gestados, ou seja, esquece-se de que boa parte
desse quadro, que beira a tragédia social e ambiental, é produto de cinquenta
anos de domínio oligárquico.
E não só isso, contra os desejos de mudanças na administração pública
estadual estão às confrarias dos contratos terceirizados que encarecem os
precários serviços oferecidos à população, executam obras de construção civil
de baixa qualidade, fraudam licitações e impermeabilizam a profissionalização
do serviço público. Demonstração específica e cristalina do direcionamento
dessas avenças são os acordos políticos de criação das Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs)e Organizações Sociais (OSs)
destinadas a operarem no Sistema Único de Saúde (SUS).
Ademais, com a aproximação das eleições de 2016, a demanda por convênios
eleitoreiros e outras mecanismos escusos de financiamento de campanhas
eleitorais, entre eles o comprometimento antecipado das receitas das
prefeituras, entram na agenda de muitos grupos políticos municipais e de seus
representantes estaduais. É bom que não se olvide de que nesse
quadrante, o tradicional movimento migratório dos grupos políticos
conservadores proporcionou ao PDT do Governador Jackson Lago, no pleito
municipal de 2008, a eleição de aproximadamente uma centena de Prefeitos.
Contudo, no processo de cassação, quase todos os trabalhistas de momento
retornaram ao seu leito político natural.
Além de que, perante a complexa demanda reprimida por
serviços públicos, tem-se na reduzida capacidade de investimento do Estado um
importante travo orçamentário. Boa parte dos projetos estruturantes públicos do
Maranhão é executada com o aporte de recursos federais. É sintomático que o
nosso estado figure entre as unidades da federação mais dependentes das
transferências voluntárias do Governo Federal.
Deste modo, ainda que o PCdoB seja um recorrente aliado nacional dos
governos petistas, o prolongamento das crises política e econômica restringirá
a busca das fontes federais de recursos públicos. Certamente, diante desse
nebuloso cenário político e econômico nacional, muitos dos projetos que exigem
grande monta de recursos financeiros terão de ser postergados. Tais fatos
implicam numa adicional dificuldade no implemento dos compromissos de governo
assumidos previamente.
(*) Salvador Fernandes – Economista e Servidor Público Federal
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