domingo, 19 de junho de 2011

"ZECA PINHEIRO NUNCA ME ENGANOU" - Blog Marrapa

Zeca Pinheiro nunca negou sua amizade com Fernando Sarney(montagem)

Blog Marrapa (19/6/2011) - Coluna Falando com franqueza, de Lígia Teixeira:
"Zeca Pinheiro nunca me enganou
Dentre todos os auxiliares que conspiraram para que o Governo Jackson Lago (2007-2009) entrasse em colapso, o Secretário de Fazenda Aziz Santos, o chefe da Casa Civil Aderson Lago e o assessor de Comunicação, Zeca Pinheiro certamente foram os principais. Atrapalharam o ex governador por diversas razões: Aziz por ganância; Aderson por arrogância e Zeca Pinheiro por “trairagem”. Membro do alto clero do Palácio dos Leões por imposição do marqueteiro Evilson Almeida, dono da Imagine Propaganda , Zeca Pinheiro fazia  jogo duplo, levando informações aos adversários de Jackson e disseminava  intrigas entre os demais secretários. Tudo a mando dos que queriam destruir o governador.
Pelos serviços prestados ao grupo Sarney, a recompensa de Zeca chegou em forma de uma nomeação para  a assessoria especial do Senado Federal . Isso mesmo, Zeca Pinheiro agora é oficialmente assessor do Presidente do Senado, José Sarney:
Uma coisa não podemos negar, o Senador José  Sarney sabe como retribuir um favor"

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Flávio Dino não será candidato a prefeito de São Luís... sai a nomeação para a Embratur

Diário Oficial da União de 17/6/2011 - nº. 116
 confirma Flávio na Embratur


O Diário Oficial da União fez a fila andar na presidência da Embratur: sai Mário Augusto Lopes Moysés, entra Flávio Dino Castro e Costa.

A nomeação de Flávio Dino para a Embratur também traz uma consequência imediata às eleições na capital. A fila também andou no PCdoB: Flávio Dino não será candidato a prefeito de São Luís.

A sua escolha pela Embratur é também sua opção por 2014, e não 2012: "Irei me dedicar ao máximo para ajudar nosso país e honrar a confiança da presidente Dilma", anuncia Dino em seu twitter.

A confiança da presidente Dilma, e seu apoio político, não seria colocada em xeque por uma pretensão eleitoral de fazer da Embratur apenas um trampolim até as convenções eleitorais de junho de 2012, na verdade, menos de um ano depois, porque o afastamento dar--se-ia em abril de 2012.

Racionalmente improvável. E quem o conhece, sabe: Flávio não faz política irracional. É como um exímio jogador de xadrez.

E também tem pressa, apesar de estar na casa dos 40 anos. Viabilizar um projeto de esquerda de longo prazo e sustentável, com sua eleição a prefeito em 2012, a partir um leque de alianças com os setores progressistas da cidade, com vistas a construir uma reeleição em 2016, consolidando a ascensão de um verdadeiro bloco de poder sob novas práticas políticas, para então buscar o Governo do Estado, em 2018, seria muito tempo... para ele.

Certamente o ex-futuro candidato a prefeito de São Luís calculou os custos pessoais, políticos e eleitorais de uma candidatura em 2012. 

Diferente de 2008, onde tinha todas as condições políticas (apoio do Planalto, de Lula, do PT e era uma novidade), mas teve que correr atrás das condições eleitorais, para 2012, há apoio eleitoral e muito, mas falta apoio político.

Assim, Flávio convenceu-se que não valeria a pena. Deixaria Castelo à vontade para todo tipo de aliança com a oligarquia (não esqueçamos que Flávio teve o voto de Roseana Sarney e Gastão Vieira, no segundo turno de 2008...) e não teria, de imediato, o apoio de vários setores oposicionistas que lhe vêem com desconfiança, de tucanos a pedetistas, passando pela esquerda socialista. Sem o tempo de TV do PT, o apoio de parte da esquerda petista, que está caindo no canto da sereia de Washington que jura querer Bira de candidato a prefeito, e com seus principais financiadores voltados para a disputa em seus municípios, Dino também deve ter ponderado que não valeria a pena correr tanto risco.  Além do medo de uma terceira derrota consecutiva a cargo majoritário. Apesar dos 49 a 53% de votos que pesquisas internas dos partidos lhe confiam, Flávio não acredita que se ganhe só com a força do povo...

A QUE CUSTO?
Afora isso, há de se investigar o preço dessa nomeação para a Embratur: de 2002, quando Lula chegou ao Planalto, até Dilma (2011), nenhum oposicionista aos interesses da oligarquia Sarney emplacou em cargo federal algum no Maranhão, muito menos em Brasília: que o digam Haroldo Saboia, Domingos Dutra, Joãozinho Ribeiro, Márcio Jardim, Augusto Lobato, Silvio Bembem, Jomar e Terezinha Fernandes. Não fizeram o nosso jogo no Maranhão, espalhava José Dirceu e companhia sobre o veto a esses petistas. Qual o segredo de Flávio Dino? ...

SOBROU PARA O POVO
Quem morar nas vizinhanças do arraial da Praça Maria Aragão, o arraial oficial da Prefeitura de São Luís, que se prepare: vai ter muito foguete à noite toda hoje. Castelo comemorará bastante a saída de seu principal adversário do pário.

A roda gira nas eleições da capital maranhense. Emoções. E ainda falta mais de ano para o pleito.


Flávio Dino no twitter:

 Flávio Dino 


quarta-feira, 15 de junho de 2011

Carta Maior - Vladimir Safatle: "Precisamos de um discurso de esquerda alternativo"

Em entrevista à Carta Maior, o filósofo Vladimir Safatle rejeita a idéia de mudar o mundo sem conquistar o poder e cobra espaço institucional para que a mídia possa de fato refletir a sociedade, por exemplo, com jornais, rádios e tevês para universidades e sindicatos. Intelectual comprometido em provar que as idéias pertencem ao mundo através da ação, Safatle vê limites na ascensão da classe C sem mudanças radicais na repartição da riqueza e defende: “Precisamos de um discurso de esquerda alternativo que esteja em circulação no momento em que as possibilidades de ascensão social (da chamada classe C) baterem no teto”.

Carta Maior conversou com o filósofo Vladimir Safatle, professor do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) e um dos mais instigantes analistas da cena política atual. Dotado de uma radicalidade não imobilista, o pensamento de Safatle joga luz nova sobre temas difíceis em torno dos quais a polaridade do campo da esquerda brasileira (PT versus não-PT) em geral patina, anda em círculos e não avança. Nesta entrevista à Carta Maior, o filósofo fala sobre as explosões populares (no mundo árabe e na Europa), a partir das quais alguns inferem a suposta agonia dos partidos políticos e discute os limites e trunfos conquistados pela chegada do PT ao poder no Brasil. 

O filósofo rejeita a idéia de mudar o mundo sem conquistar o poder e cobra espaço institucional para que a mídia possa de fato refletir a sociedade, por exemplo, com jornais, rádios e tevês para universidades e sindicatos. Intelectual comprometido em provar que as idéias pertencem ao mundo através da ação, Safatle vê limites na ascensão da classe C sem mudanças radicais na repartição da riqueza e convoca seus pares: “Precisamos de um discurso de esquerda alternativo que esteja em circulação no momento em que as possibilidades de ascensão social (da chamada classe C) baterem no teto”. Por fim aconselha Lula a transformar seu instituto numa ‘internacional Lulista’ –um instrumento que ajude a esquerda latinoamericana a chegar ao poder. Leia a seguir a entrevista concedida por email:

Carta Maior - O longo descrédito com os políticos e suas siglas parece ter inspirado uma sentença cada vez mais freqüente no debate: a de que a forma partido está esgotada . Ao mesmo tempo, esse diagnóstico parece embutir um desejo conservador – que não é novo - de desqualificar a representação do conflito social. O que existe de esgotamento e o que existe de vontade de antecipar o funeral de um adversário incômodo? 

Vladimir Safatle - Diria que temos um desafio de novo tipo. Primeiro, é certo que uma geracao de partidos de esquerda se esgotou exatamente por não dar conta da representacão do conflito social. Há uma camada de conflitos sociais que é simplesmente sub-representada ou invisível no interior da "forma partido". No exterior, o exemplo maior disto é a expoliacão econômica de imigrantes: pessoas sem voz no interior da dinâmica partidária. No Brasil, temos um embate em torno da dita nova classe média ao mesmo tempo que encontramos uma sub-representacão de conflitos próprias à "velha classe pobre". As revoltas dos trabalhadores em Jirau é um bom exemplo. Nenhum partido vocaliza tais revoltas. 

CM - Há uma variante desse diagnóstico, à esquerda. Ela se apóia em evidências, como as recentes manifestações de rua no mundo árabe e na Europa, supostamente convocadas e coordenadas via facebook. Aqui parece haver um ludismo com sinal trocado na medida em que se dá à tecnologia tratos de um fetiche. Tudo se passa como se "a tecnologia partidos" tivesse se esgotado. E uma nova ferramenta, agora em versão mais potente, viesse a sucedê-los com vantagens. Entre elas a ausência de intermediários e de corrupção. Mistificação ou novo espaço público? 

VS - É verdade, há muito de mistificacão nesta maneira de anunciar a internet como a esperanca redentora da política. O que ela fez foi, em larga medida, permitir o desenvolvimento de uma militância virtual e intermitente. É mais fácil fazer militância hoje, já que você pode operar da sua casa através de redes de contra-informacão. 

No entanto, insistiria que há uma tendência de mobilizacão social que tem pêgo os partidos a contra-pelo. Falta uma nova geracão de partidos capaz de dar forca institucional a tais mobilizacões. Este partidos talvez não funcionarão de maneira "tradicional", mas como uma frente, uma federacão de pequenos grupos que se organizam para certas disputas eleitorais e depois se dissolvem. É difícil ainda saber o que virá. Certo é apenas o fato de que os movimentos políticos mais importantes (revoltas na Grécia, Espanha, Portugal) parecem ser feitos atualmente à despeito dos partidos. O que limita seus resultados. Não creio que podemos "mudar o mundo sem conquistar o poder". Quem gosta de ouvir isto são aqueles que continuam no poder. Para conquistar o poder, temos que vencer embates eleitorais. 

CM - O debate sobre a irrelevância dos partidos convive com a realidade de um torniquete menos debatido: a captura da vida democrática pela supremacia das finanças. Ao normatizar o que pode e o que não pode ser objeto de conflito e de escrutínio, a hegemonia das finanças não teria engessado a própria democracia representativa? E assim contaminado todos os seus protagonistas com a sombra da irrelevância? 

VS - Certamente. Este é um dos limites da democracia parlamentar. Não há como escaparmos disto no interior da democracia parlamentar. Só se contrapõe ao domínio do mundo financeiro através de um aprofundamento da democracia plebicitária, como a Islândia demonstrou ao colocar em plebiscito o auxílio estatal a um banco falido. Devemos simplesmente deslocar questões econômicas desta natureza para fora da democracia parlamentar. Um Estado não pode emprestar bilhões para massa financeira falida sem uma manifestação direta daqueles que pagarão a conta. O problema é que vivemos em uma fase do capitalismo de espoliação. 

CM - A mídia é muitas vezes apontada como a caixa de ressonância dessa subordinação do conflito aos limites da finança. Nesse sentido a sua regulação não seria tão ou mais importante que o financiamento público de campanha? 

VS - Acho que a sociedade ocidental (e não apenas a brasileira) precisa, de fato, encarar a defasagem das leis a respeito da regulação econômica da mídia. Trata-se de um dos mercados mais oligopolizados e concentrados do planeta, o que está longe de ser algo bom para a democracia. Seria importante que houvesse um sistema que facilitasse a entrada de novos atores no campo midiático. Não consigo admitir, por exemplo, que universidades públicas, sindicatos e associacões tenham tão pouca presença em rádios, televisões e jornais. 

CM - O PT no Brasil condensa todos esses impasses ao personificar, na opinião de alguns, uma trágica verdade: o preço do poder é a necrose da identidade mudancista. Isso é fatal? Ou dito de outro modo:um partido depois de passar pelo poder ainda pode suprir o anseio de mudança da sociedade? 

VS - Ele pode suprir tais anseios, mas desde que esteja realmente disposto a avancar nos processos de modernização política e criatividade institucional, o que não creio ter sido o caso do PT. Há um profundo déficit de participacão popular nos governos do PT. Claro que se olharmos para a direita brasileira (PSDB e seus aliados) a situacão é infinitamente pior. Mas o PT, neste ponto, tem nos obrigado a votar fazendo o cálculo do mal menor. Ele tirou da sua pauta o aprofundamento de mecanismos de participação popular. O resultado será um embotamento político que pode se voltar contra a própria esquerda. 

CM - Algumas avaliações dizem que o governo Lula foi em parte a causa desse entorpecimento petista. Outros sugerem que o próprio Lula foi refém de uma energia política insuficiente para promover um projeto de mudança mais profundo na sociedade. Que ponto da régua estaria mais próximo da realidade em sua opinião? 

VS - Creio que Lula foi bem sucedido em ser uma espécie de Mata Hari do capitalismo global. Ele soube jogar em dois tabuleiros, um pouco como Getúlio Vargas. Sua política foi bipolar. Por exemplo, enquanto recebia George Bush falando que era seu maior aliado, seu partido fazia manifestacões contra a vinda do próprio George Bush. O resultado final deste processo foi criar um sistema muito parecido àquele deixado por Vargas. O PT é, hoje, herdeiro direto do PTB. O PMDB parece uma espécie de PSD sem uma figura carismática como Juscelino e a oposicão esmera-se no seu figurino UDN. Bem, é triste perceber que, quando o Brasil comeca a andar, ele sempre volta ao mesmo ponto de estabilidade política. Parece que nunca conseguimos ultrapassar este mecanismo bipolar. 

CM - O Governo Dilma será a culminância dessa acomodação histórica? Ou a crise mundial pode destravar o processo e inaugurar um novo ciclo, na medida em que impõe escolhas duras entre desenvolvimentismo versus financeirização?

VS - Creio que o governo Dilma será um governo que usará a margem de manobra fornecida pelo crescimento econômico em uma era onde as economias dos países europeus (assim como os EUA) continuarão em crise. Neste sentido, nossa única esperanca concreta de mudanca virá quando a dita nova classe média perceber que ele só continuará seu ciclo de ascenção se não precisar gastar fortunas com educacão e saúde privadas. No entanto, a consolidação de um verdadeiro sistema público de educacão e saúde não será feito sem uma pesada taxação sobre a classe rica e um aumento considerável na tributacão da renda. Isto, em um país como o Brasil, tem o peso de uma revolucão armada. Vejam que engracado, vivemos em um país onde a implantação de um modelo tributário das sociais-democracias européias dos anos 50 equivaleria a uma ação política da mais profunda radicalidade. Não creio que o PT fará algo neste sentido. Mesmo a discussão a respeito de um imposto sobre grandes fortunas foi abandonada. Precisamos de um discurso de esquerda alternativo que esteja em circulacão no momento em que as possibilidades de ascenção social baterem no teto

CM - O que seria uma agenda relevante para Lula e o seu Instituto numa conjuntura como essa de flacidez partidária e atritos duros entre desenvolvimento, igualdade e acomodação à crise? 

VS - O melhor que seu Instituto poderia fazer é organizar uma espécie de Internacional lulista que ajude a esquerda a vencer em países da América Latina.

terça-feira, 14 de junho de 2011

domingo, 5 de junho de 2011

Vias de Fato: artigo - Franklin Douglas: "20 ANOS DA TOMADA DA TV DIFUSORA: Política, negócios e clientelismo eletrônico na disputa da retransmissão da Rede Globo no Maranhão"

Artigo publicado no Vias de Fato - edição n° 20,
Ano II, maio-2011, p. 8 e 9

Franklin Douglas (*)



O ente estatal não é um lugar neutro, onde os interesses grupais competem, mas um espaço capitalista que ativamente organiza forças de conflito no interior do capital, incluindo aqueles na mídia eletrônica, nos lembra César Bolaño e Valério Brittos (2007).

A situação maranhense no tocante ao controle da transmissora da Rede Globo no estado é um exemplo cabal dessa definição. O aparelho do Estado, sob controle político de um mesmo grupo por quase 50 anos(1), foi, indubitavelmente, o espaço de organização dos conflitos no interior dos setores dominantes, sobretudo os da mídia eletrônica. Ainda que seus proprietários sejam apenas suportes do capital, como lembra Marilena Chaui (2006), tornar-se sustentáculo desse componente do capital significou a dupla possibilidade de acúmulo de poder político e econômico no Maranhão.

Não por acaso, controlar a retransmissão da maior rede de televisão no estado foi um verdadeiro vai-e-vem na disputa intra-classe dominante, somente organizada e resolvida a partir do controle do aparato estatal. A retransmissão da Globo, sob direito da TV Difusora, passou pelo controle de três grupos (família Bacelar, Willian Nagem/Epitácio Cafeteira, família Lobão) até chegar definitivamente à família Sarney. A disputa aqui estava estabelecida em diversas ordens de interesse. Em jogo: (a) o núcleo ideológico dirigente da política maranhense; (b) a acumulação de riqueza e poder econômico pela mídia eletrônica de televisão no Maranhão; (c) a ocupação de posição na configuração da política sob o “novo” coronelismo que se consolidaria a partir da década de 1990, o “coronelismo eletrônico”; (d) o alinhamento ao principal grupo detentor de poder midiático no País, as organizações Globo, do empresário Roberto Marinho, um poderoso homem cuja influência no Planalto se estendeu dos generais do Governo Militar (1964-1985) aos presidentes civis (1986 a 2002, de José Sarney a Lula da Silva, passando por Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso).

Quando inaugurada em 09 de novembro de 1963, a TV Difusora estava exatamente incorporada a essa lógica de poder. Entretanto, sob outras mãos: as de Assis Chateaubriand – um dos mais influentes jornalistas das décadas de 1940/1950, dono de um império de comunicação, os Diários Associados, e pioneiro na implantação da televisão no Brasil.

No início dos anos 1960, 13 anos depois de criada a televisão no País, São Luís seria uma das primeiras capitais do Nordeste a ter a sua. A TV Difusora foi a primeira televisão comercial do Maranhão. Raimundo Bacelar contava com as condições necessárias para ser o pioneiro dessa façanha: era dono de 180 mil hectares de terra, indústria de açúcar, papelose, de família rica e influente. Seu pai era o coronel Coelho Neto, ligado ao Partido Social Democrático (PSD). Aqui, exemplo já das origens do enlace entre coronelismo e mídia.
 
Clientelismo eletrônico: conceito para além do “coronelismo” eletrônico

Ao utilizar o termo entre aspas, estamos devidamente concordando com a atualização do conceito trabalhado por Suzy Santos e Sérgio Capparelli (2005) e entendendo que, concretamente, é mais compreensível ao debate público, e útil ao confronto político. Mas, reconhecendo as reflexões levantadas sobre o conceito (2), de que não se confunde a realidade expressa pelo coronelismo (do século XIX) – e que se refere a outro sistema político nacional que existiu no País, que é datado historicamente –, com a que se pretende metaforicamente representar com o termo “coronelismo eletrônico”, a partir dos anos 1990.

Além disso, há que se delimitar que o coronelismo surge para sustentar uma classe de proprietários rurais que, em decadência econômica, utiliza-se da ascensão política do federalismo, onde o centralismo imperial – sob o presidente de Província, cargo de confiança do ministério no Império – se buscava substituir pelo governador de estado, que o sistema republicano almejava consolidar como ator político eleito para chefiar a política estadual. Os proprietários rurais, para continuar a subsistir como classe, trocam apoio político à emergência da República por sustentação econômica para manterem-se em face de seus dependentes e rivais. “A manutenção desse poder passava, então, a exigir a presença do Estado, que expandia sua influência [...]” (CARVALHO, 1997, p. 231). No “coronelismo eletrônico” do fim do século XX e início do XXI, temos o inverso. Os proprietários da mídia eletrônica, para manter o poder econômico, capturam a esfera pública acessível via mídia para se manter politicamente como classe dominante e à serviço do sistema do capital.

Estamos em bases mais acertadas se tratarmos de clientelismo aplicado à mídia eletrônica ou clientelismo eletrônico. Que seria, a nosso ver, uma melhor caracterização à realidade e propriedade e uso dos meios eletrônicos em debate (3). O clientelismo, de modo geral, indica um tipo de relação bilateral que envolve a troca de favor, benefícios, isenções, apoio político e votos. Perpassa toda a história política do país. Dessa forma, pode mudar de parceiros, aumentar ou diminuir ao longo da história. “Nesse sentido, é possível mesmo dizer que o clientelismo se ampliou com o fim do coronelismo e que ele aumenta com o decréscimo do mandonismo” (CARVALHO, 1997, p. 233)
 
O jogo de interesses no controle da TV Difusora

Esse clientelismo eletrônico fica evidente quando da tomada da transmissão da Rede Globo no Maranhão, que obedeceu a um duplo objetivo: o controle ideopolítico e o acúmulo de riqueza pelos negócios da comunicação, especialmente farto quando proprietário dos negócios e agente do Estado se confundem no mesmo ente. Tal como ambos, uma verdadeira mídia despótica, pouca atenta e mesmo surda aos ecos das ruas e totalmente descompromissada com a prestação de contas de seus argumentos. Parte e, ao mesmo tempo, responsável por controlar a porta de entrada da arena política de disputa.

A implantação da TV Difusora não surge somente do pioneirismo de seu fundador. Na verdade, no contexto de emergência de uma nova fase político-econômica do País, a proliferação da televisão obedeceu à lógica do capital de viabilizar a comercialização de seus produtos que estavam, sob a forma de produção fordista, sendo produzidos em massa. O que necessita de consumidores. A fase “elitista” da televisão (1950-1964) é a fase patrocinada pelas grandes marcas de empresas produtoras de objetos de consumo. A televisão seria mais um deles.

A TV Difusora surge e se expande sob essa lógica. Sua concessão, no âmbito do império das comunicações de Assis Chateaubriand, é fruto da relação dos negócios da comunicação com a política. Sua consolidação, na fase “populista” (1964-1975), também está sob a lógica do contexto político-histórico de ascensão dos generais ao poder central. Seu vínculo com a emergente Rede Globo de Roberto Marinho, em 1970, foi a conseqüência esperada do negócio de um agrupamento político que não estava em contradição com a nova casta no poder. Pelo contrário, desvincula-se dos que se opuseram ao golpe militar. Por isso a TV Difusora sobrevive política e se revigora tecnicamente. Sai do tele-teatro, da programação das 19 às 23 horas, totalmente produzida em âmbito local, para a organização em rede e a profissionalização comercial instituída pelo consórcio Globo-Time Life-Ditadura Militar. A fase de “desenvolvimento tecnológico” (1975-1985) é o aprofundamento dessas bases anteriormente dadas.

É, então, na fase de “transição e expansão internacional” da televisão brasileira que podemos caracterizar como a fase principal da TV Difusora, na qual há a disputa pelo seu controle e, em especial, pela retransmissão da Globo no estado. Ante a resistência da família Bacelar em repassar à família Sarney o direito de retransmissão da Rede Globo, restou a implementação de um estratégia de prazo tão longo quanto possível de esperar: o enfraquecimento político, o endividamento financeiro e, por fim, o cerco aos negócios da família Bacelar. De uma só vez, as eleições de novembro de 1986 contribuíram para ambos os intuitos. Candidato a senador por uma das sublegendas que compunha a Aliança Democrática (PMDB/PFL), Magno Bacelar saiu derrotado das urnas por Edison Lobão e Alexandre Costa (4), alcançando com seus votos obtidos nas urnas, segundo as regras eleitorais da época, a primeira suplência de Edison Lobão. Sarney orientou apoio político-eleitoral aos dois vencedores e financiou a campanha de Américo de Sousa, fragilizando Magno Bacelar que, das eleições, saiu também endividado. Registra Mara Maia (1993): “[...] com as dívidas contraídas nas eleições, Bacelar se vê obrigado a se desfazer de vários bens, entre eles o sistema de comunicação da Difusora (composto por uma TV e rádios AM e FM) [...]”

O processo de transferência, contudo, dá-se na forma de uma verdadeira engenharia política. Magno não admite desfazer-se da emissora. Controlando 70% das ações da TV Difusora, pois os outros 30% ele havia vendido ao empresário e também político Francisco Coelho, de Balsas, num “contrato de gaveta” que, na verdade, colocava o então governador Luiz Rocha (1983-1987) como sócio da televisão (COELHO NETO, 2005, p. 20), Magno Bacelar negocia abrir mão do direito de retransmissão da Rede Globo no interior do Maranhão, mantendo a capital sob transmissão de sua emissora. Buscava, assim, uma repactuação com o sarneismo que não viria. Pelo menos, não nos negócios.

E no círculo vicioso dos negócios da comunicação e política: sem força política, não há como posicionar-se bem no mundo dos negócios sob recursos do Estado; exaurem-se os recursos públicos; sem poder econômico, não há como obter força política para bem posicionar-se nos negócios da comunicação. A família Bacelar já não tinha nem um, nem outro.

Esse seria um passo quase definitivo do sarneismo rumo à tomada completa da TV Difusora. Não fosse outro componente: eleito governador, Epitácio Cafeteira (PMDB) também decide aventurar-se nos negócios da comunicação. Sob o cerco vindo da amizade entre Roberto Marinho e Sarney e do poder político do Planalto, Bacelar também enfrentaria o isolamento local. Já em 1987, no início do mandato, o então governador Epitácio Cafeteira (1987-1990) adquiriria, através do desconhecido empresário William Nagem, os 30% de Francisco Coelho, que vende as ações e se capitaliza para implantar seu próprio sistema de rádio e TV em Balsas.

Nesse cenário, a família Bacelar não tem mais por onde resistir, a Difusora já não lhe pertencia mais: vende, em 1988, os seus 70% nos negócios também a William Nagem. A carreira meteórica desse empresário da mídia durou o tempo em se mantiveram bem relacionados o governador Epitácio Cafeteira e empresário Fernando Sarney, administrador do Sistema Mirante de Comunicação. William Nagem foi um sui generis caso de duplo “laranja” nos negócios da comunicação maranhense.

De 1988 a 1990, a família Sarney vê retardada a pretendida troca de retransmissão do sinal da Globo, em São Luís. Somente no processo eleitoral de 1990, quando Cafeteira não abre mão de ser candidato, obrigando Sarney a disputar uma vaga de Senador pelo Amapá, é que surge o timing para a separação da sociedade que vinha sustentando a TV Difusora. As alterações serão definitivas. Eleito senador, Cafeteira, via William Nagem, vende os 30% de suas ações ao empresário Edinho Lobão, filho do governador eleito Edison Lobão (1991-1994) (5). A família Lobão, com o aparelho de Estado sob seu comando direto, não criou dificuldades para a troca do direito de retransmissão. Com isso, William Nagem vende os 50% de Fernando Sarney também a Edinho Lobão, permanecendo com 20% (que acabaria por vender à família Lobão ao longo da segunda metade dos anos 1990), o que torna a família Lobão controladora de 100% das ações da TV Difusora.

Muito mais do que uma operação técnica, a transferência do direito de retransmissão da Globo no Maranhão foi um acerto político. Planejado anteriormente à fundação da própria TV Mirante, em março de 1987. E que se consuma em 1º de fevereiro de 1991, quando, enfim, Mirante–Sarney e Globo–Marinho passam a ser um só locus de poder midiático no Maranhão. Aqui, exemplo de como a rede de clientelismo que configura as comunicações brasileiras passa por distintas formas de associações de interesses, apadrinhamentos e parentescos. O que pode parecer um mercado concorrencial às vezes revela-se uma espécie de divisão do bolo entre amigos, revela Murilo César Ramos (2005).



“Se não fôssemos políticos não teríamos necessidade de ter meios de comunicação”

A disputa do controle da retransmissão da Rede Globo no Maranhão foi uma estratégia deliberadamente construída pelo núcleo da classe dominante maranhense. O domínio do aparato do Estado serviu-lhe de arrumação dos interesses intra-classe dominante, bem como, quando sob seu controle direto, instrumento de acúmulo de riqueza. Isto, alinhado ao mais poderoso grupo empresarial midiático do País, que foi criado e consolidado sob os mesmos moldes do sistema Mirante: o uso do poder. Se pare isso se tornou necessário submeter os próprios aliados a esses interesses ou mesmo derrotá-los, fez-se.

Entre recuos e avanços rumo a esse objetivo, a família Sarney buscou firmar-se pelo locus midiático de concentração de poder ideopolítico e econômico como força dirigente da política maranhense. Concentração significa controle. E controle é fundamental para a definição do padrão de legitimação social, reflete Dênis Moraes (1998).

O sistema Sarney de comunicação, assim, posicionou-se muito bem na política, o que lhe levou um bom posicionamento no mundo dos negócios da comunicação, sobretudo sob a captação das verbas publicitárias do Estado. O que lhe permitiu manter um bom posicionamento na esfera da política. “Se não fôssemos políticos não teríamos necessidade de ter meios de comunicação”, confessa o próprio José Sarney, em entrevista à Revista Carta Capital, de novembro de 2005 (LÍRIO, 2005). E se não fosse políticos, também não enriqueceriam tão rápido pelos negócios da comunicação.


REFERÊNCIAS

LÍRIO, Sérgio. Não tenho culpa. Carta Capital. Edição 369, novembro de 2005.
BOLAÑO, César Ricardo Siqueira; BRITTOS, Valério Cruz. A televisão brasileira na era digital: exclusão, esfera pública e movimentos estruturantes. São Paulo: Paulus, 2007.
CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: uma discussão conceitual. In: Dados - Revista de Ciências Sociais. Vol 40, nº 2, Rio de Janeiro, 1997.
CHAUI, Marilena. Simulacro e poder: uma análise da mídia. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2006.
COELHO NETO, Gilvan: depoimento. [08 de julho de 2005]. São Luís: A chegada da televisão em São Luís. Entrevista concedida a Clodoaldo C. Garcez, José de Ribamar Ferreira Jr, Josely de Sousa Sodré e Patricia Liana M. de Azevedo.
MAIA, Mara Jane Sousa. Os fatores sócio-políticos das concessões de rádio e televisão no Maranhão, período de 1985-1990. In: Cambiassu Estudos em Comunicação. Ano IV, n 5. São Luís: Edfuma, 1993.
MORAES, Denis. O planeta mídia: tendências da comunicação na era global. Campo Grande: Letra livre, 1998.
RAMOS, Murilo César. A força de um aparelho privado de hegemonia. In: Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. São Paulo: Paulus, 2005.
SANTOS, Suzy dos. CAPPARELLI, Sérgio. Coronelimso, radiodifusão e voto: a nova face de um velho conceito in Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. São Paulo: Paulus, 2005.
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(*)Franklin Douglas, 38 anos, jornalista e professor universitário. É editor do blog Ecos das Lutas. Email: oifranklin.ma@gmail.com

(1) José Sarney governou o Maranhão de 1966 a 1970; sua filha, Roseana Sarney, exerceu o Executivo estadual de 1995 a 1998, de 1999 a 2002, de 2009 a 2010 e tem quarto mandato de 2011 a 2014: 18 anos que o Maranhão manter-se-á diretamente sob administração da família Sarney, em quase cinco décadas de exercício do poder. Quanto ao grupo, embora mantendo algum contencioso aqui e ali, todos os demais governantes foram alçados ao poder por Sarney, embora ele renegue essa responsabilidade. A única exceção foi Jackson Lago, eleito em 2006 e cassado em 2009. Nesse período, para além do Executivo, o sarneismo mantém sob absoluto controle o Judiciário, grande parte da bancada de deputados federais maranhenses, todos os senadores do Maranhão, o Legislativo estadual em sua maioria avassaladora e quase todas as Câmaras Municipais, o Tribunal de Contas do Estado (TCE), a maioria das 217 prefeituras municipais, os cargos federais no estado. Nem o Ministério Público do Estado (MPE) mantém independência, salvo raros promotores de justiça. Ou seja, o aparelho do Estado por quase todo completo.


(2) Referimo-nos aqui especificamente a José Murilo de Carvalho, em seu texto “Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: uma discussão conceitual”, onde ele registra: “Temos, assim, três conceitos relacionados, mas não sinônimos, guardando cada um sua especificidade, além de representarem curvas diferentes de evolução. O coronelismo retrata-se com uma curva tipo sino: surge, atinge o apogeu e cai num período de tempo relativamente curto. O mandonismo segue uma curva sempre descendente. O clientelismo apresenta uma curva ascendente com oscilações e uma virada para baixo nos últimos anos. Os três conceitos, assim concebidos, mantêm uma característica apontada com razão por Raymond Buve (1992) como essencial em uma abordagem histórica: a idéia de diacronia, de processo, de dinamismo.” (CARVALHO, 1997, p. 234)

(3) Que conduz a outra situação, o “patrimonialismo” na mídia eletrônica. No sentido amplo, a inexistência de distinções entre os limites do público e do privado, da apropriação privada da coisa pública (seja do espaço público pelos políticos, seja da concessão pública pelos empresários), notadamente na posse e controle dos veículos de comunicação. Pois, também sentido conceitual estrito, trata-se de uma prática estabelecida no Brasil Império anterior ao surgimento do coronelismo e ao avanço da burocracia de Estado com a instituição da República. (CARVALHO, 1997, p. 244)

(4) A Aliança Democrática foi um pacto promovido entre políticos de vários partidos para vencer as eleições indiretas para presidente, em 1985. Resultou na vitória da chapa Tancredo Neves-José Sarney. Nas eleições de 1986, ela foi reeditada sob a liderança de seus dois principais partidos: PMDB e PFL. José Sarney, empossado Presidente da República com a morte de Tancredo Neves, constrói uma inédita aliança entre seu grupo político e a oposição maranhense. Apóia Epitácio Cafeteira (PMDB) para o Governo do Estado e elege os dois Senadores da República de sua predileção, Alexandre Costa (PFL) e Edison Lobão (PFL). As duas sublegendas do PFL apresentaram quatro postulantes ao Senado: numa, três candidatos (Américo de Sousa, Edison Lobão e Magno Bacelar); em outra, um (Alexandre Costa).

(5) Com a posse de Edison Lobão no Governo do Estado, Magno Bacelar assumiria, como suplente, o mandato de Senador (1991-1994), já filiado ao PDT e eleito, em 1988, vice-prefeito de São Luís na chapa de Jackson Lago, pela coligação União da Ilha (PDT-PSB-PCdoB-PSDB). Cargo que renunciaria para assumir como parlamentar. Embora Senador, a TV Difusora não retornaria mais a suas posses.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Seis anos atrás, Plínio já alertava o país para o "kit massacre"...no Maranhão, "kit massacre" é luxo!

O cartum de Duke: Monocultura...

Abaixo, o artigo de Plínio de Arruda Sampaio, publicado originalmente na Folha de São Paulo de 23 de fevereiro de 2005. Portanto, há seis anos o ex-deputado federal constituinte já nos chamava a atenção para o "kit massacre"... 

No Maranhão, sequer esse "luxo" o movimento social tem. Aqui, movimento social é tratado como lixo mesmo!

O Acampamento Negro Flaviano, iniciado nesta quarta-feira (1º de junho), é o presente de aniversário à governadora Roseana Sarney, para lembrar a ela a péssima situação dos quilombolas maranhenses, ameaçados de morte e sem direito à terra.

Leia abaixo os dois textos: "Kit Massacre" e "Acampamento Negro Flaviano".

Como nos diz o advogado Eduardo Correa, "o tempo passa..." ao que Ecos acrescenta: "... o tempo voa, e o Maranhão não continua numa boa!"



KIT MASSACRE
Por Plínio de Arruda Sampaio(*)

O governo federal criou, anos atrás, um "kit" de providências destinadas a administrar as crises provocadas por massacres de posseiros, sem-terras, seringueiros e indígenas - ocorrências freqüentes nos "grotões" do país. O "kit massacre" inclui: declarações indignadas do presidente e seus ministros; presença dos ministros da área no local do incidente (se possível acompanhando o enterro); promessa de punição "implacável" aos criminosos; prisão de três ou quatro suspeitos (logo soltos por falta de provas); e anúncio de "factóides" destinados a dar à opinião pública a impressão de que o governo está agindo energicamente.
A vida média de um "kit massacre" é de 15 a 20 dias. Depois disso, a matéria sai das páginas nobres dos grandes jornais e, em conseqüência, o "kit" é engavetado até o massacre seguinte. O governo Lula herdou essa metodologia e a está aplicando à risca.
O "kit" da irmã Dorothy, por exemplo, já está quase completo. Já teve declarações pungentes, viagem de ministros, semblantes de circunstância, prisão de suspeitos. Nesta semana surgiu o "pacote de factóides".
A "pièce de force" do "pacote" é a criação de cinco reservas florestais na região amazônica, abrangendo uma área de cerca de 8 milhões de km2, uma extensão comparável à área agrícola do Chile! Por que se trata de um factóide?
Porque não há qualquer condição de impedir a invasão dessas reservas sem que, ao mesmo tempo, se desenvolva um efetivo processo de reforma agrária. Isoladas, elas serão invadidas pelos mesmos grileiros e madeireiros que assassinaram a irmã Dorothy. Basta lembrar que reserva 25 vezes menor -a do Pontal do Paranapanema, no Estado de São Paulo- foi reduzida a menos de 10% de sua área original em poucos anos.
Quem é ingênuo a ponto de acreditar que o governo federal vai fiscalizar área tão grande, sabendo-se que, em junho do ano passado, irmã Dorothy pedia em carta ao ministro da Justiça o envio de R$ 1.000 (isso mesmo: mil reais!) à Polícia Federal para comprar óleo diesel, a fim de que o veículo da delegacia de Anapu pudesse ir atrás dos pistoleiros?
A opinião pública precisa saber que esses factóides não passam de cortina de fumaça para esconder falta de coragem das mais altas autoridades da República em tomar as providências que podem, de fato, evitar massacres de pessoas no meio rural.
Há menos de dois meses, quando pistoleiros mataram cinco trabalhadores rurais sem terra em Felisburgo (MG), uma comissão reunindo OAB, CNBB, ABI, CPT, ABRA e dezenas de outras entidades realizou uma "romaria cívica" pelos gabinetes dessas altas autoridades, pedindo, a cada uma delas, apenas uma providência -e uma providência de sua exclusiva competência.
Ao presidente Lula, que não recebeu a comissão, entregou-se um documento pedindo a publicação de um decreto com atualização dos índices técnicos de aferição da produtividade dos imóveis rurais. Os índices vigentes são de 1975, e é óbvio que desde então a produtividade média dos imóveis rurais aumentou substancialmente. A atualização foi feita, separadamente, por equipes da Unicamp e da Embrapa, que chegaram a cifras coincidentes. Só falta publicar o decreto, e isso depende unicamente do presidente da República. Se for publicado, agilizará a desapropriação de terras.
Ao senador José Sarney e ao deputado João Paulo, então presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, pediu-se a aceleração dos trâmites de um projeto de lei que determina a imissão imediata do Incra na posse dos imóveis desapropriados, resolvendo-se, pela via da compensação financeira, eventuais reclamações dos interessados. Não há outra maneira de evitar que milhares de famílias fiquem acampadas durante meses e até anos em terras ocupadas ou nas margens de estradas, à mercê das agressões dos jagunços.
Ao ministro Nelson Jobim, presidente do Supremo Tribunal Federal, que também não recebeu a comissão, solicitou-se algo ainda mais simples: reunir os presidentes de Tribunais de Justiça estaduais e federais, para sugerir meios de acelerar as ações de terras.
Nenhuma das autoridades visitadas dignou-se sequer a dar uma resposta às entidades que os procuraram, civilizadamente, no exercício de um direito consagrado na Constituição da República.
Esta semana, as mesmas entidades e mais dezenas de outras entidades que se juntaram à "romaria cívica" irão novamente peregrinar pelos altos gabinetes com as mesmas demandas, pois só elas, segundo a experiência dos técnicos e funcionários que lidam com a matéria, podem solucionar o problema. A dificuldade decorre do veto do latifúndio e do agronegócio às medidas eficazes. Os factóides, entretanto, exigem apenas um bom dispositivo de propaganda.

(*) Plinio Arruda Sampaio, 74, advogado e economista, é presidente da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária). Foi deputado federal pelo PT-SP (1985-91) e consultor da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação).
Fonte: Jornal Folha de São Paulo de 23/02/05.


ACAMPAMENTO NEGRO FLAVIANO – UM CHAMADO À RESISTÊNCIA, PELO DIREITO À EXISTÊNCIA!

Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a primavera inteira.

Centenas de quilombolas acamparam na madrugada desta  quarta-feira, 01/06, em frente ao Palácio dos Leões, sede do Governo do Estado, na Praça Pedro II.
Na quinta, dia 02, a partir das 8h, ocorrerá uma grande mobilização denunciando a violência no campo e na cidade.
O Estado do Maranhão, conforme assegurado pelo IBGE, tem a maior população rural brasileira, em termos proporcionais. Cerca de 36,9% dos 6,5 milhões de maranhenses não moram em zonas urbanas. Isso representa um universo de 2.427.640 pessoas em todo o Estado.
A população negra do Estado do Maranhão compõe 74%. Somos 4.541.893 de negros e, segundo o Centro de Cultura Negra do Maranhão, existem 527 comunidades quilombolas no Estado do Maranhão, distribuídas em 134 municípios, concentradas principalmente nas regiões da Baixada Ocidental, da Baixada Oriental, do Munim, de Itapecuru, do Mearim, de Gurupi e do Baixo Parnaíba. A população quilombola do Estado do Maranhão é composta por 1.362.567 de pessoas, correspondendo à quase 340 mil famílias.

O Estado do Maranhão é um dos cinco no Brasil cuja constituição reconhece às comunidades quilombolas o direito à propriedade da terra. Essa garantia é fruto da luta do movimento negro, que conseguiu a inclusão do artigo 229 na Constituição Estadual do Maranhão, promulgada em 1989.
Apesar de tudo isso, há em curso um processo de extermínio contra centenas de comunidades quilombolas no Estado do Maranhão.
Como fato desta afirmação, no dia 30 de outubro, Flaviano Pinto Neto, líder do quilombo do Charco, foi brutalmente assassinado com sete tiros na cabeça, a mando de Manoel e Antonio Gomes, homens poderosos da região da Baixada, o primeiro empresário de São João Batista, o segundo, vice-prefeito de Olinda Nova. Flaviano e seus companheiros e companheiras do quilombo apenas queriam viver no lugar onde seus umbigos estão enterrados, o lugar dos seus antepassados, onde moram seus encantados, a Terra sem Males, a Terra do Bem Viver. Nada mais. Mas isso é Tudo. Fora dali não há possibilidade de vida, apenas a melancolia.
Em razão da violência, diversas entidades nacionais e internacionais se manifestaram pela elucidação do crime e cobraram a prisão dos responsáveis – mandantes e executores – do assassinato de Flaviano. Entretanto, passados mais de seis meses da morte de um preto valente, filho da terra, os mandantes, apesar de denunciados pelo Ministério Público, apesar das ameaças que fazem contra os moradores do Quilombo do Charco, em São Vicente Ferrer, e do Cruzeiro, em Palmeirândia, continuam soltos, ameaçando a integridade física dos quilombolas que resistem contra a opressão. Devemos ressaltar que ambos ficaram foragidos por mais de vinte dias, em decorrência de uma prisão preventiva decretada pela juíza de São João Batista, contudo, apesar de todos saberem onde se encontravam os assassinos de Flaviano, estes ficaram na sombra da impunidade.
A morte de Flaviano representa a violência brutal que destroça comunidades Quilombolas em todo o Maranhão. Hoje há cerca de 30 lideranças quilombolas marcadas para morrer no Estado do Maranhão.

Mas nossa esperança, nascida na noite escura, será fogo incontido, que fará alvorecer o dia novo! Os tambores serão escutados e jamais esquecidos!

OBJETIVO DO ACAMPAMENTO:
- Denunciar à Sociedade brasileira as várias situações de violências vivenciadas pelos camponeses e indígenas em luta pela defesa de seus territórios decorrentes da politica de desenvolvimento adotada pelos governos federal e estadual que desconhecem outros modos de ocupações da terra que não seja a capitalista;
- Denunciar à sociedade brasileira a situação vivida pelos camponeses que estão  ameaçados de morte;
- Denunciar a omissão dos governos federal e estadual no cumprimento das normas constitucionais que determinar a titulação das terras ocupadas por comunidades quilombolas; a desapropriação de latifúndios; a não demarcação dos territórios indígenas;
- Denunciar a ação determinante do poder judiciário no acirramento dos conflitos agrários que envolvem comunidades no campo e na cidade ao conceder liminares de reintegração de posse e não julgar os responsáveis pelas mortes de camponeses em nosso estado.