segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Bandidos de toga

Franklin Douglas

          
BANDIDOS DE TOGA 

Os juízes são os responsáveis por garantir a ordem judiciária à luz das melhores argumentações entre partes em conflito. São as atribuições dadas a eles pela sociedade. Das diversas correntes doutrinárias existentes no curso de Direito, todas são visões conservadoras acerca do exercício do Direito, a salvo uma ou outra, a exemplo dos estudiosos em torno do “Direito Alternativo”. Ou seja, é um campo majoritariamente tendente à ordem, ao estabilichment, ao status quo, ao manter as coisas como estão.

Daí porque significativa parte dos magistrados se chocou tanto com a afirmação da corregedora-geral de justiça do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Eliana Calmon, ao apontar que “há no judiciário brasileiro bandidos de toga”. Partindo de quem conhece as entranhas do poder judiciário, averigua os diversos casos de corrupção e quebra de conduta, a frase é realmente contundente. Revela ao país como estamos mal no terceiro poder constituinte do aparelho de Estado, o Poder Judiciário. A frase, no entanto, nada mais é do que a verbalização por dentro do que a sociedade tem denunciado constantemente.
É sob coordenação da ministra Eliana Calmon o trabalho que retrata que o Judiciário convive com vendas de sentenças, possui variados casos de desvios de verbas e contratos irregulares, prevalece o nepotismo e até mesmo há a criação de entidades vinculadas aos próprios juízes para administrar verbas de tribunais. Um Poder onde também padece os casos de corrupção e de irregularidades diversas, segundo os relatórios do CNJ a partir de inspeções realizadas pela Corregedoria em quase todos os Estados brasileiros.
No Maranhão, por exemplo, “os casos de juízes envolvidos em venda de sentenças e liminares, grilagem de terras, prática de trabalho escravo, conivência com fraudes cartoriais, envolvimento ou conivência com a improbidade administrativa, enriquecimento ilícito, favorecimento eleitoral, dentre outras práticas ao arrepio da lei”, parece ser regra, não exceção, como vem trazendo a público as organizações que se reúnem em torno do Tribunal Popular do Judiciário e do Observatório da Justiça e da Cidadania do Maranhão.
Quer você mesmo certificar se isso é verdadeiro, caro leitor, cara leitora? Basta ir ao saite de buscas do momento, o Google, e pesquisar por juízes do Maranhão, lá encontrarás pérolas como estas:
“Juízes são investigados por liberar multas” – jornal Folha de São Paulo: abertura de processos administrativos disciplinares contra sete juízes que atuam em 4 das 9 varas cíveis de São Luís (MA). Na maioria dos casos investigados, os juízes aplicaram multas contra bancos e fundos de pensão por supostas decisões não cumpridas (...)”;
“Juiz é acusado de usar trabalho escravo no Maranhão” – saite G1 e Programa Fantástico, da Rede Globo;
“Juiz do Maranhão é afastado por irregularidades” – saite Consultor Jurídico;
“TJ afasta juiz envolvido em grilagem de terras” – Jornal Pequeno;
A esse “mundinho” reacionário por si só, acrescente o contexto geral de uma sociedade formada sob características como o clientelismo, o mandonismo, o patrimonialismo, o uso da coisa pública como privada... é um pulo para termos um poder judiciário maranhense no ranking dos relatórios de irregularidades do CNJ.
A ministra Eliana Calmon, ante a pressão contrária de magistrados a sua assertiva, manteve o que disse, mas tentou ser mais precisa, estimando que os bandidos de toga sejam em torno de 1%. Generosa a ministra.
Há em torno de 359 magistrados no Maranhão. Aplicado o percentual da corregedora-geral do CNJ, teríamos algo por volta de quatro “bandidos de toga” no judiciário maranhense. A realidade dos números dos processos no CNJ e na corregedoria do Tribunal de Justiça do Maranhão evidencia que temos bem mais que esse universo.
Ante um quadro no qual o Maranhão figura entre os últimos em número de juízes por habitante e é o segundo estado com maior número de juízes ameaçados de morte, é claro que uma boa parte está empenhada em fazer um judiciário melhor.
Mas basta um exercício de memória para verificarmos como parece exatamente o inverso a realidade do judiciário maranhense. Os bons parecem ser exceção.
Por exemplo, quando buscamos lembrar de juízes exemplares em suas ações para um bom judiciário, o que vem a mente? A postura correta e rigorosa de juízes como Gervásio Santos e Ronaldo Maciel... o trabalho por um judiciário mais próximo à comunidade como o de Josemilton Silva Barros e Francisco Ferreira Lima... a referência do trabalho de penas e medidas alternativas como o de Douglas Martins... o reconhecimento de Jorge Moreno na erradicação do subregistro de nascimento... o destacado papel de Márlon Reis no combate à corrupção eleitoral e na efetivação da lei do Ficha Limpa...
Mas é por esses, e também outros cujo trabalho não seja tão propalado, que podemos dizer que sim, há esperança, mesmo no judiciário maranhense!
Por isso, é preciso dar todo apoio ao trabalho do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ele é o oxigênio que nos faz crer que a chama da esperança pela reforma rumo a um judiciário à favor de uma sociedade justa não se apagará por conta da existência de alguns “bandidos de toga”


Franklin Douglas, jornalista e professor, escreve para o Jornal Pequeno
aos domingos, quinzenalmente
Artigo publicado no Jornal Pequeno (edição 02/10/2011 - página 20).

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