Franklin Douglas (*)
Na semana em que trouxemos à memória o Dia da Consciência Negra (20 de novembro), tivemos muito o que refletir, lamentar e comemorar em torno da questão racial em nosso País e no Maranhão.
Ao contrário dos Estados Unidos, por nossas terras o racismo sempre foi camuflado, mascarado. Para enfrentá-lo, muitas lutas foram travadas, mesmo após 1888, quando o País decretou oficialmente o fim da escravidão. Por sinal, o Brasil foi a última nação do mundo a livrar-se do trabalho escravo!
Temos a maior população negra do globo terrestre, fora da África. De lá, em quatro séculos, foram trazidos mais de três milhões de negros e negras.
Enquanto no Haiti a luta popular transformou aquele país na primeira República negra do continente (revolta dos escravos de 1794), sendo o primeiro país do mundo a abolir a escravidão, segundo país das Américas a decretar sua independência, próspera economia regional ao erradicar o analfabetismo, fazer a reforma agrária e promover outras políticas públicas de cunho transformador, "sofremos" com o "fantasma haitiano" até que ele fosse aniquilado. O que, mesmo numa população de 133 mil escravos para 66 mil pessoas livres, fez com que os anos 1800 do Brasil fossem de muitas revoltas e mobilizações dos povos negros, sempre duramente reprimidas.
Mas, desde antes, sob liderança e inspiração de Zumbi dos Palmares, a vida foi de muita luta aos povos negros por sua liberdade, por sua dignidade, por seus direitos. Subverter a sociedade escravocrata em sua existência real e, posteriormente, em sua continuidade imaterial (de valores e cultura racista), foi... é... e, sob a lógica do sistema do capital, continuará sendo uma luta permanente.
Essa pseudo-democracia racial, que os "donos do poder" tentam ideologicamente fazer prevalecer, não se sustenta diante de dados como, por exemplo, o da violência no Brasil. Para se ter ideia, de 1979 a 2003, 550 mil brasileiros foram mortos por armas de fogo: 74,5% deles eram negros.
A luta contra a escravidão, pela liberdade, pela igualdade, se foi inicialmente uma bandeira trazida da difícil realidade vivida pelos povos negros, hoje é uma luta de todas e todos que acreditam ser possível construir um outro País, um outro Maranhão.
Foi este sonho que nutriu a trajetória de vida de João Francisco. Engajado na luta pela terra, nas Ligas Camponesas, exilado em Moscou quando perdeu sua liberdade política no período da Ditadura Militar, lutador da democracia na volta do exílio, fundador do Centro de Cultura Negra (CCN) e de seu único partido, o PDT de Brizola, Neiva Moreira e Jackson Lago, primeiro Secretário de Estado de Igualdade Racial (governo Jackson Lago, 2007 a 2009), João Francisco deixou esta vida - exatamente no dia 20 de novembro! - para se transformar em mais um ícone da luta popular maranhense.
De origem humilde, pobre, a liderança engajada, comprometida com seu povo, João Francisco junta-se aos exemplos deixados por Negro Cosme e sua balaiada, João Cândido e sua luta contra a chibata, Abdias Nascimento e Milton Santos no pensamento crítico de combate ao racismo, à postura revolucionária de Maria Aragão, à militância combativa de Magno Cruz.
Nestes tempos de ilusória ascensão social de uma dita "nova classe média", onde nos últimos 10 anos a renda do negro cresceu 123% (cinco vezes mais do que o restante da população) e 40 milhões de pessoas ascenderam socialmente, das quais 75% são negros, ficam os exemplos de todos esses que lutaram em vida por uma sociedade sem desigualdades, onde não basta a ascensão econômica para subverter o racismo. Vai além disso!
O exemplo de Joaquim Barbosa, empossado, no dia 23 de novembro, como primeiro negro a presidir a mais alta corte do País, o STF (Supremo Tribunal Federal), é isso: para além do estudo, da ascensão econômica, da ocupação de espaços públicos por seus méritos próprios, fica o tapa de luvas de seu discurso na lógica de nossas elites, tão acostumadas ao tratamento privilegiado: "Nem todos os brasileiros são tratados com igual consideração (...) Há um grande déficit de Justiça entre nós".
Déficit de justiça esse que só se supera pela luta dos oprimidos, negros e brancos, homens e mulheres, por seus direitos, pela construção de um Brasil e um Maranhão justos, democráticos, sem trabalho escravo, sem racismos.
De Zumbi a João Francisco, passando por Joaquim, eis a mensagem deixada a todos nós neste histórico e fortemente simbólico Dia da Consciência Negra do ano de 2012!
(*) Franklin Douglas - jornalista, professor e doutorando em Políticas Públicas (UFMA), escreve para o Jornal Pequeno aos domingos, quinzenalmente. Artigo publicado no Jornal Pequeno (edição 02/12/2012, página 16)
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