quinta-feira, 20 de agosto de 2009

SARNEY OU A IMPOSTURA COMO REGRA

Por Haroldo Saboia

Por coincidência, o jornal “O Estado do Maranhão” deste domingo trata do mesmo tema que abordei em meu artigo, neste espaço do JP, na sexta passada: as relações de José Sarney com os poderosos nos anos de ditadura que sucederam ao golpe militar de 1964.

O título é pomposo. "Lembrai-vos de l968: Sarney resiste ao Ato Institucional nº 5". Embora assinado por festejado historiador, o estilo mais parece ao do próprio Sarney (perceptível nas raríssimas vezes em que escreve os textos que assina).

Busca a matéria, em distorcendo os fatos, assegurar a Sarney realce que sua figura pública diminuta não logrou conquistar apesar do sem-número de cargos que ocupou.

Sarney e seu jornal querem impor, sem qualquer cerimônia, uma versão distorcida da nota que fez publicar, em 1968, cinco dias após a edição do Ato Institucional nº5 que, entre outras medidas, institucionalizou a censura, o terror e a tortura como métodos de governo.

Que diz a nota do então governador Sarney,em 17 de dezembro de 1968 , reproduzida, no último domingo, em seu jornal?

Entre outras afirmações, Sarney declara:

1 - “Meu mandato (...) só foi possível graças à (...), obra, como tantas vezes afirmei da REVOLUÇÃO, QUE EU APOIEI E POR ELA FUI APOIADO”

2 - “COMPREENDO PERFEITAMENTE, HOMEM DE GOVERNO, AS DIFICULDADES ENFRENTADAS PELO EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA, MARECHAL ARTUR DA COSTA E SILVA”;

3 - “CONHEÇO O PENSAMENTO DAS FORÇAS ARMADAS, SEU PATRIOTISMO. CREIO NOS SEUS ALTOS PROPÓSITOS E NOS SEUS PENSAMENTOS OBJETIVOS”;

4 - “Espero que esta fase possa servir para apressar a retomada da normalidade democrática”.

5 - “(...) reafirmo a confiança e a solidariedade do Maranhão que nunca lhe faltaram para a manutenção da ordem e do progresso do Brasil”.

Em que idioma estas palavras representam manifestações de resistência, desaprovação, contestação ou simples repulsa?

Em bom vernáculo elas traduzem - isto sim - a mais abjeta louvaminha, a mais asquerosa bajulação.

Vemos em todas as letras que, longe de resistir ou repudiar, Sarney proclama aos quatro ventos que se tornou governador “GRAÇAS À REVOLUÇÃO QUE EU APOIEI E POR ELA FUI APOIADO”.

Como para Sarney a impostura é regra e a dissimulação meio de vida - neste domingo seu jornal afirma que “José Sarney passou a ser alvo das hostilidades do autoritarismo, que realizou ações ofensivas para intimidá-lo e pressioná-lo para que deixasse o governo”.

Sarney (ou seu festejado confrade que assina a matéria) se refere ao seu não alinhamento político com o “general-presidente (que) fazia parte da chamada linha-dura”, Costa e Silva.

Mas aquele que, HOJE, seu jornal chama de linha-dura, não é o mesmo general que na nota (reproduzida na mesma página) Sarney, arrivista, se refere quando diz compreender “PERFEITAMENTE... AS DIFICULDADES ENFRENTADAS PELO EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA, MARECHAL ARTUR DA COSTA E SILVA”?

A famosa nota é reproduzida duas vezes na nona página de O Estado do Maranhão, edição 09/08/2009: no alto, à direita, em duas colunas (“Sarney faz manifesto ao povo do Maranhão) e, na parte inferior, em fac-símile com o título AO POVO DO MARANHÃO com a indicação, vazada, Manifesto.

A matreirice é tal que Sarney (ou sua parceria) teve o cuidado de retirar da reprodução ao alto o tratamento bajulador Excelentíssimo Senhor e outros quejandos.

O embuste, todavia, não para aí. A notícia da visita do Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira ao Maranhão também é falseada.

O fato relevante - omitido por seu jornal familiar - é que não teve coragem de comparecer a solenidade de formatura dos economistas maranhenses de 1968. Sarney, paraninfo, teve medo de comparecer ao ato público em que estaria como patrono da turma, JK, o construtor de Brasília, cassado pelo ditador Castelo Branco (seu “eloqüente apoiador e incentivador”).

Sorrateiro,compareceu a um almoço, restrito aos formando, no Jaquarema, clube de elite na época. E até hoje, gabola, canta e decanta o episódio como uma grande saga pessoal.

Situação parecida foi criada pela imaginação de Sarney que dá conta de um suposto discurso em que protestara contra as cassações de abril de 64, logo após o golpe. Ficção. O propalado discurso não consta de nenhum registro histórico. Mera bazófia tão ao gosto do coronel de Curupu e Maguari.

(Em tempo: há dois meses escrevi, neste espaço, que a Sarney não poderia permanecer na presidência do Senado “ sem a institucionalização do terror, da caça às bruxas, do aniquilamento da resistência ética e democrática no Senado Federal”. Lamentavelmente, os fatos têm comprovado essas análises e as repetidas cenas de truculência e violência, no Senado, contra jovens estudantes, como a ocorridas ontem, nos leva a crer que o pior está por acontecer.)

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