quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Quando ser neutro significa ser cúmplice...



Nesse contexto da reflexão do Noblat, como noticiar os 72 hospitais prometidos por Roseana e Ricardo Murad? A construção da Via Expressa? O saque de 29 milhões para obras que Castelo não fez com os 73 milhões de convênios deixados por Jackson Lago? A queda dos ministros de Dilma? As mortes no trânsito de São Luís ocasionadas por "playzinhos" da cidade?


O limite do ideal de jornalismo do Noblat é que ele não compreende que o jornalismo não é neutro: em momento algum! O que não quer dizer que seja sempre partidário, antiético, desfocado do interesse público.


Ricardo Noblat
Quando ser neutro significa ser cúmplice

Os jornalistas aprendem nos bancos escolares que títulos de notícias e notícias devem se limitar a apresentar os fatos da maneira mais neutra possível. Caberá aos leitores, e somente a eles, tirarem suas próprias conclusões.
A regra faz sentido? Acho que sim. Mas como toda regra ela comporta exceções. Abri várias ao longo dos meus quase 45 anos de jornalismo – uma delas quando vi em Brasília um rapaz agredir um idoso à saída de uma área de lazer chamada Pier 21.
O rapaz tinha discutido com sua mulher na mesa de um restaurante. Ela fora embora aborrecida. Ele depois saiu atrás dela e, na altura do estacionamento pago do Pier, pensou tê-la visto entrando em um carro na companhia de um senhor.
Não hesitou: atacou o homem pelas costas. Derrubou-o. E ao cair, o homem bateu com o braço direito na quina da calçada. O braço se partiu. O rapaz montou no homem e começou a esmurrá-lo. Até que foi tirado de cima dele.
Só depois, já detido por policiais, o rapaz constatou que não era dele a mulher que entrava no carro na companhia daquele homem que jazia no chão. Era mulher do homem que ele nunca vira antes e que agredira.
Ambas as mulheres eram louras. Ambas, baixinhas. A do agressor tinha pouco mais de 20 anos de idade. A outra, pouco menos de 50. “Eu me confundi, eu me confundi”, desculpou-se o rapaz nervoso.
Ele foi levado para a 1ª Delegacia de Polícia, interrogado e solto, embora tenha sido preso em flagrante. O homem foi levado para o Hospital de Base. Em face da fratura no braço, ficaria inativo por 60 dias.
O título da reportagem publicada pelo Correio Braziliense foi “O Selvagem do Shopping”. Poderia ter sido um título neutro do tipo “Rapaz agride homem à saída do Pier 21”. Ou: “Rapaz agride homem por engano”.
Mas como qualificar o ato do rapaz senão como um ato de selvageria, e de uma selvageria absurda, sem nenhuma explicação, sem atenuante algum? E se foi um ato de selvageria por que não dizê-lo com todas as letras?
A imprensa não deve ter medo de chamar as coisas pelo seu próprio nome. Não deve ser neutra diante de fatos comprovadamente graves e sobre os quais não reste a menor dúvida. Eu vi o rapaz espancar o homem. Ninguém me contou.
Quando a Polícia Militar do Pará invadiu um acampamento de sem-terras desarmados e matou uma dezena deles, o ato foi classificado de “massacre” por quase todos os jornais. E como massacre é tratado até hoje.
Foi um crime “bárbaro” o assassinato do jornalista Tim Lopes no Rio de Janeiro. Ele foi torturado por traficantes de drogas antes de ser morto. E depois de morto, seu corpo foi esquartejado e partes dele enterradas em locais diferentes.
Bush invadiu o Iraque a pretexto de que ali havia armas de destruição em massa. A ONU não encontrara tais armas – nem vestígios delas. Elas não foram localizadas desde a invasão.
Por que seria errado publicar uma foto de Bush na capa de um jornal sob a manchete: “Ele mentiu”. E por que você não se recorda de algum jornal que tenha feito isso?
Certa vez, li o perfil do presidente francês Jacques Chirac publicado pelo jornal espanhol “El Pais”. Ali foram descritos os métodos desonestos de Chirac de se manter no poder. E ele foi comparado ao chefe de uma gangue.
Se o autor do perfil reuniu informações suficientes e confiáveis para afirmar o que afirmou por que não deveria fazê-lo? E por que o jornal não deveria publicar?
Há fatos, pois, e muitos fatos, diante dos quais a imprensa não pode e não deve ser neutra. Se for sob a desculpa de tentar ser isenta estará apenas sendo cúmplice. E desinformando ao invés de informar.

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