domingo, 24 de junho de 2012

A RIO MENOS 20 E AS VEIAS ABERTAS DA AMÉRICA LATINA

  Franklin Douglas (*) 

Parafraseando a célebre frase de Holanda Cavalcanti sobre o Segundo Reinado no período do Império brasileiro (de D. Pedro II (1840 a 1899) – “Nada mais parecido com um conservador do que um liberal no poder...”), nada mais parecido com um republicano na Eco-92 do que uma democrata na Rio+20!
Se na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, o Presidente republicano George Bush, o pai, usou o tempo reservado aos Estados Unidos para justificar-se porque não assinara o documento final da Eco-92, na Rio+20 o documento final foi tão ruim que a Secretária de Estado dos Estados Unidos, a democrata Hillary Clinton, nem precisou vetá-lo: foi só elogios ao insosso documento.
A Eco-92 consagrou o conceito de “desenvolvimento sustentável”, expôs ao mundo a inexistência do compromisso dos países desenvolvidos com a diminuição da emissão de gases poluentes e a pauta ambiental consagrou-se internacionalmente.
Na Rio+20, não se definiu metas, não se consagrou a necessidade de criação de um organismo das Nações Unidas voltado especificamente para a questão ambiental, não se estipulou prazos, não se refletiu sobre que mundo trouxemos até hoje às atuais gerações em sua relação destrutiva com a natureza... Esse debate passou longe da conferência oficial.
Já na “Cúpula dos Povos”, com a diversidade de culturas, povos, caras e bocas, o rico debate expressou-se em cinco Plenárias de Convergências que, dentre outros pontos, movimentos sociais do mundo todo acordaram:
(1) para garantir justiça social e ambiental, é preciso garantir os direitos humanos, mudar as políticas públicas, superar o sistema de produção capitalista;
(2) contra a mercantilização da vida, é necessário fortalecer o pequeno agricultor, o camponês, o indígena, garantir direito à terra, à soberania alimentar, controlar o uso de agrotóxicos;
(3) para superar a crise energética e atenuar as mudanças climáticas, deve-se investir em fontes de energias renováveis e punir adequadamente aqueles que poluem e causam impactos ambientais negativos.
A multiplicidade de ambientalistas e militantes sociais e a síntese da “Cúpula dos Povos”, evento paralelo à reunião oficial, mostrou que “Nenhuma ‘questão única’ pode, realisticamente, ser considerada a ‘única questão, como elabora o pensador húngaro István Mészáros. Ou seja, a saída para a crise de civilização e ambiental na qual se encontra a humanidade é necessariamente para além de um movimento específico e para além do capital!
Ante um mundo, como discursou o presidente cubano Raul Castro, que nos últimos 20 anos torrou 1, 74 trilhões de dólares em gastos militares (para onde vai todo esse armamento? Quem vai usar todo esse arsenal?), o desafio das novas gerações é saber pensar globalmente e agir localmente.
Foi esse tom reflexivo que faltou à Rio+20, já devidamente rotulada e parodiada de “Rio menos 20”... Evidenciando que as nações, seus Estados e governos regrediram, retrocederam no debate ambiental.
E muito desse enredo tem como pano de fundo a política imperialista de potências mundiais tão-somente voltadas a garantir seu padrão de consumo, ainda que isso custe sugar exaustivamente os recursos naturais de outras nações. Como já bem nos explicou Eduardo Galeano: esse sistema, para nossa realidade, são as veias abertas de nossa América Latina!
Não por acaso, os Estados Unidos, último a chegar à Rio+20, foi o primeiro a reconhecer o “novo” governo que emergiu no Paraguai por meio de um golpe que cassou o mandato do presidente Fernando Lugo, democraticamente eleito por seu povo. Lugo sofreu um impeachment, no Congresso controlado pela oligarquia latifundiária paraguaia, num processo que não durou sequer 24 horas!
A frase sobre o Segundo Reinado com a qual iniciamos este artigo, refere-se a um período que, dentre outros acontecimentos, teve a chamada “Guerra do Paraguai” (1864-1870). Por ela, a Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai) destruiu o Paraguai – no século XIX, país mais desenvolvido da América do Sul, sem analfabetismo, com vigoroso mercado interno, nenhum latifúndio, com indústria siderúrgica e de ferrovia das mais desenvolvidas do mundo, maior exército da região com 60 mil homens, nenhuma dívida contraída junto ao império britânico.
Em 1864, Brasil, Argentina e Uruguai serviram à Inglaterra, endividaram-se junto aos bancos de Londres, para efetivar, pela guerra, um golpe que colocou a oligarquia latifundiária no poder e levou o Paraguai a um ciclo político-econômico de miséria por longos 145 anos, só rompidos com a eleição de Fernando Lugo, em 2008.
Em nossa frágil veia democrática latina é assim: quando perde eleição, a oligarquia não perdoa, golpeia!
          Todo el apoyo a la lucha democrática de los hermanos paraguayos!

(*) Franklin Douglas - jornalista e professor, escreve para o Jornal Pequeno aos domingos, quinzenalmente. Artigo publicado no Jornal Pequeno (edição 24/06/2012, página 16)

2 comentários:

Anônimo disse...

É uma pena chegarmos ao fim dessa conferência e obtermos esses resultados. Estrategicamente o Rio Centro localizava-se bem distante da Cúpula dos Povos, dificultando ainda mais o deslocamento da sociedade civil até o principal palco da Rio + 20, o Rio Centro. A Cúpula dos Povos, por sinal, é um espaço interessantíssimo para adquirir contatos socais, trocar experiência com outros movimentos, etc, dessa maneira é triste ver como as delegações foram tratadas, essas simplesmente foram largadas no Sambódromo, sem água potável, sem banheiros decentes, sem condições mínimas de alojamentos (no dia 20 - quarta-feira - uma forte chuva caiu sobre o Rio de Janeiro, resultado: Sambódromo alagado e delegações dormindo no meio do "lago" formado pela água da chuva). Devemos considerar também que o amplitude do espaço democrático tornou-se mínima, uma vez que os chefes de estado fechavam as portas no Rio Centro para defender principalmente interesses capitalistas e deixavam de lado a participação popular e a sociedade civil. A verdade é que 20 anos se passaram e quase nada mudou, vamos agora para mais 10, 20 e 30 anos, e sabe Deus o que será nosso planeta até lá.

Anônimo disse...

Por Maurício Vieira de Paula - Acadêmico de Comunicação Social/IMEC