quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Artigo João de Deus - Bira sai do PT e o petismo sai de Bira

João de Deus (*)

Neste finalzinho do mês de setembro e início de outubro o mundo político fervilhou. Dois partidos foram criados, o Pros e o Solidariedade. Este último liderado por Paulinho da Força, ex-pedetista que há muito trabalha para sabotar o governo Dilma. Marina e seu (ou sua) Rede (é um partido, é uma Ong?) “nem de direita, nem de esquerda” deram com os burros n’água, deixando a pré-candidata à presidência em difícil situação para quem se diz contra “tudo o que está aí”, mas que ao mesmo tempo uniria num hipotético (e esquisito) governo, petistas e tucanos!

No Maranhão, o PT ganhou o noticiário da imprensa e dos blogues por conta da saída do Deputado Estadual Bira do Pindaré de suas fileiras. Uma surpresa para muitos e estranho para a maioria pelas circunstâncias e rapidez dos acontecimentos, em pleno PED (Processo de Eleições Diretas das direções do PT) e aos 44 do segundo tempo para encerrar-se o prazo das filiações ou trocas de partido junto à Justiça Eleitoral. A decisão seria motivada por grotesca e surreal carta (http://www.blogjorgevieira.com/2013/09/deputado-bira-do-bira-sai-do-pt.html?spref=fb) assinada por Raimundo Monteiro, presidente estadual do partido, de cunho autoritário onde de fato Bira é convidado a sair. É negado a Bira unilateralmente espaço no programa partidário em resposta à solicitação do próprio deputado. Mais que isso, “sua permanência [de Bira] na legenda vem se tornando difícil e, mais recentemente, insuportável”. Evidentemente Monteiro se refere à oposição que Bira tem feito ao governo do Estado, do qual o PT faz escassa e vexatoriamente parte através do vice-governador, Washington Oliveira. Governo que, diga-se apenas de passagem, é um completo fracasso social, um modelo de descaso em todas as áreas públicas. A carta seria resposta a pedido de Bira de “acesso ao horário destinado ao programa partidário no rádio e na TV”. Note-se, a notícia da carta, assinada em 26 de setembro, surge simultaneamente à notícia da desfiliação de Bira.

Em nota de 30 de setembro "Ao companheiro Bira do Pindaré, À militância do PT no Maranhão", dirigida também à Executiva Nacional do PT, a Articulação de Esquerda (AE), corrente interna do partido, por meio de sua direção nacional, repudia a atitude de Monteiro: “um grave e inaceitável erro, de método e político. Erro de método, porque não cabe ao presidente do PT Estadual o poder de decidir quem pode ou não pode permanecer no Partido. O estatuto do PT, justamente para evitar esse tipo de arroubo autoritário e garantir o mais amplo ambiente democrático intrapartidário, estabelece o procedimento e as instâncias adequadas para tomar uma decisão de tal gravidade (...). Erro político, por se dar em um momento duplamente delicado. Por um lado estamos na última semana fixada pela legislação eleitoral para que haja mudança de partidos por parte de quem deseja disputar as eleições de 2014 (...). Por outro lado, estamos em meio ao Processo de Eleições Diretas que renovará a direção do Partido dos Trabalhadores em todos os níveis. Esse é o momento em que todos os filiados e filiadas têm a oportunidade de manifestar sua opinião sobre o programa, a tática eleitoral e os rumos que desejam para a agremiação. As ameaças de Raimundo Monteiro são uma tentativa de obstruir o debate”. E acrescenta: “É temerário que um presidente estadual do partido lance mão do expediente da ameaça de expulsão contra uma das principais lideranças que defendem, nesse PED, uma posição diferente da sua. Ao que parece, estão tentando importar para dentro do PT o método de ação política dos coronéis maranhenses, aliados preferenciais de um setor do partido”. Ao final, um apelo “ao companheiro Bira do Pindaré que reconsidere sua decisão e permaneça no Partido dos Trabalhadores. Aqui é o lugar dos socialistas, dos lutadores do povo, dos que acreditam em um Brasil e um Maranhão diferente. Com a militância petista maranhense, vamos derrotar o sarneyzismo, dentro e fora do PT”.

Na continuidade dos acontecimentos, Valter Pomar, dirigente nacional da AE e candidato à presidência nacional do PT pela chapa A Esperança é Vermelha, ao postar a nota no facebook, recebe do vice-governador WO o seguinte comentário: “Aos companheiros Da Articulação de Esquerda informo que a nota assinada (infelizmente) pelo Presidente Estadual do PT, Raimundo Monteiro foi redigida pelo Próprio Dep. Bira. Foi um acordo entre os dois em vista do interesse do Deputado em sair do partido sem perder o mandato...”. O comentário é confirmado por Monteiro em novo comentário feito no mesmo post, gerando polêmica sobre um suposto jogo combinado para forjar um pretexto adequado que beneficiaria os dois lados. Bira sairia com a garantia do mandato e Monteiro, candidato a reeleição no PT, se livraria de um dos mais importantes apoiadores da candidatura do principal oponente, Augusto Lobato, apoiado pela Resistência Petista.

Soa realmente estranho um trecho em particular da carta. Senão vejamos: “Assim, o Partido dos Trabalhadores reconhece serem razoáveis os seus motivos, e comunicamos que o partido anui e concorda de forma irrevogável com a sua pretensão de desfiliação partidária sem que disso resulte qualquer prejuízo no exercício o mandato de deputado estadual” (grifo nosso). Como assim? Que “motivos” “razoáveis” são esses e que “pretensão de desfiliação” é essa com a qual “o partido concorda”, conhecidos de antemão por Monteiro, supondo-se que a carta foi a provocadora da saída? Como alguém, e principalmente um parlamentar, supõe que deva sair por ser convidado por uma única pessoa, por mais importante ela seja dentro do partido? Imagine se o presidente quiser tirar todos os desafetos do partido. Bastaria convidá-los a sair? Ora, se o presidente tivesse esse poder, não existiria mais Resistência Petista.

O motivo é insuficiente. Não se sabe de nada parecido no PT, e talvez em qualquer outro partido. Talvez por isso Bira tenha se esforçado por elencar outros em sua “Carta ao povo do Maranhão”, de 01 de outubro, Bira resgata sua história pessoal de atuação nos movimentos e no Partido dos Trabalhadores, e a certa altura diz das perseguições e ataques que sofrera dentro e fora do PT, a mando da oligarquia, concluindo: “Mais recentemente, o vice-governador tornou público o convite para que os dissidentes da aliança com o PMDB se retirassem. Não fosse o suficiente, negaram expressamente o direito a minha participação na propaganda partidária, preterindo a mim em relação a outros, em clara discriminação. Tudo isso agora oficializado em carta assinada pelo presidente do Partido”.

Tirante à polêmica do “combinado”, que Bira trata de negar veementemente em entrevista ao blogue do jornalista Ed Wilson, trataremos aqui de outro aspecto, eminentemente político.

De fato, essas são as agruras por que Bira tem passado, mas não sozinho. Junto com ele todo o campo da Resistência Petista, dezenas de companheiros e companheiras em luta dentro e fora do PT contra o domínio oligárquico no Estado. A diferença é que para isso Bira foi municiado com um mandato popular com o qual pode se defender e fazer política, e assim o tem feito a contento. Afinal, foi exatamente pra isso que fora eleito e pra isso, o debate, o enfrentamento político e ação pública, é regiamente pago e bem pago. Assim, não cabe alegar os sacrifícios desta ordem. Situação muito mais complicada é a do desempregado, subempregado ou trabalhador que mal tem tempo para qualquer atividade política e ainda assim se faz militante, como outrora fizera o próprio Bira. Quando este troca o ativismo pela sobrevivência, compreende-se. Por isso, a questão principal é de ordem política e não a soma de suor acumulado ou as compensações pessoais. Ou seja, se é equivocada ou não determinada ação política, como sair do PT, e se há coerência política no ato.

Bira não é só um parlamentar de posições firmes, mas estava agrupado dentro do PT à esquerda, defendendo o governo Lula-Dilma e suas conquistas, e considerando o PT, com todos os seus problemas, um partido estratégico para a classe trabalhadora, e em sua Carta, reconhece: “Não me arrependo de nada e sou muito grato ao PT pelo imenso aprendizado e as oportunidades que dificilmente teria em qualquer outra agremiação partidária. Reconheço inclusive seu papel decisivo para as melhorias de vida do povo brasileiro, proporcionando avanços importantes em relação a geração de empregos, elevação de renda e implantação de programas de inclusão social. Reconheço ainda que apesar das crises éticas, ideológicas e políticas, o PT ainda tem imenso potencial e pode, enquanto instituição humana, rever as suas práticas e retomar o seu caminho.” (grifo nosso). Mas “no Maranhão, porém, se tornou insustentável continuar [no PT]”. Aqueles que têm deixado o PT, no Maranhão, tem alegado com frequência essa situação local sem considerar o resto, ou melhor, apesar de considerar positivamente o restante. Um tremendo equívoco precisamente para os que combatem a oligarquia Sarney, já que tal atitude fortalece suas posições dentro do partido e não a enfraquecem nem mais nem menos fora. Os que saem pela esquerda e caem no isolamento político de partidos cuja ação pouco influi no mundo real, mas sobretudo os que saem pela direita, ou seja, os que passam a fortalecer o pragmatismo e tudo o mais que condenaram no PT.

O mesmo se diga a respeito do Dep. Federal Domingos Dutra, muito mais calejado, perseguido, mas que acumulou muito mais mandatos. Tanto Dutra – que saiu antes para construir o Rede e agora ingressa no Solidariedade (e já é o vice-presidente) – quanto Bira – que optou pelo PSB, partido de Roberto Rocha (ex-PSDB) e Eduardo Campos, que ora deixa a base do governo federal em busca de alianças à direita (tucanos, peemedebistas e até demistas), recebendo inclusive afagos da mídia –, ambos os parlamentares reconhecedores dos avanços do governo federal e até há pouco membros da esquerda petista, campo marcadamente ideológico e socialista, abraçam pela direita o pragmatismo. Se os parlamentares pretendem manter exatamente a mesma posição no parlamento, por acaso acham que deixarão de ser perseguidos pela oligarquia? Se pretendem apoiar a candidatura de Flávio Dino (e eu rogo que o façam), o que os impediria de fazê-lo dentro do PT? Em 2010 foi o que fez toda a Resistência Petista e é o que fará agora, algo perfeitamente possível graças ao acúmulo de contradições, erros e desmoralização do campo petista no governo. Sem falar no momento de total defensiva do governo Roseana e seu candidato 10%, percentual precisamente o mesmo atingido por WO, na capital, em 2012! Momento em que há 4 candidaturas à presidência estadual do PT, duas das quais dissidentes do grupo de WO. Confirmada a vitória de Flávio Dino, novas possibilidades não só para o Maranhão, mas também para o PT, com o grupo governista atual deslocado.

Não, não há aí coerência. Não é difícil pensar que esses moços colocaram o mandato acima de tudo, preferindo fazer outro jogo, mesmo que consista em enfraquecer o PT, que é o que pretendem Solidariedade, PSB, PMDB, PPS, a grande mídia, a burguesia, o neoliberalismo e o imperialismo.

(*) João de Deus Castro - Ex-Sec. de Juventude do PT/MA, Servidor público do MPF/SP

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