Franklin Douglas (*)
Neste
domingo, 5 de outubro de 2014, Flávio Dino deve tornar-se o terceiro governador
eleito pelas “oposições” no Maranhão, em quase meio século de pleitos ao
Executivo Estadual. Tudo indica que ele repetirá o feito de José Sarney (1965)
e o de Jackson Lago (2006).
Que
diferenças e semelhanças há nos três casos?
Sarney,
em 1965, nunca foi uma opção iniciada por fora do sistema: foi uma autêntica
dissidência por dentro da classe dominante – no Maranhão, no Rio de Janeiro
(sede do Governo Federal, à época), nos três poderes constituídos, no
coronelismo dos rincões maranhenses.
De
dissidência intraoligárquica, em substituição a Vitorino Freire (que o exercera
antes por duas décadas), Sarney consolidou-se como dirigente do poder
oligárquico no Maranhão, com o apoio dos generais, em seus 20 anos de Ditadura
Militar, e sua adesão à Aliança Democrática de Tancredo Neves, cuja morte às
vésperas da posse possibilitou ao sarneismo mais 20 anos de poder, a partir do
exercício da Presidência da República (1985-1990), e cujos instrumentos lhe
garantiram a cooptação da oposição do PMDB maranhense, via Epitácio Cafeteira
(pleito de 1986), e, nos anos 2000, sua aliança com Lula da Silva, que lhe dá
mais nove anos de sobrevida, com a cooptação do PT maranhense.
Jackson
Lago, em 2006, venceu porque candidato do governo José Reinaldo, dissidente do
sarneismo, mas logrou êxito enfrentando o poder central em Brasília, o mito
Lula, e praticamente toda a estrutura oligárquica local, ainda que trazendo
para si o apoio da oposição conservadora. Seu vínculo às lutas democráticas, ao
brizolismo, às lutas populares maranhenses, sua primeira eleição de prefeito
(1988), tornaram Jackson Lago uma opção por fora do poder oligárquico
maranhense, embora só tenha vencido por conta do determinante apoio do Governo
do Estado e dos setores da dissidência oligárquica.
Seu
vacilo, no primeiro momento pós-eleito, em acenar para a oligarquia, o que lhe
rendeu o famoso artigo “Velho Escroto”, de Edison Vidigal, e a tomada crescente
de seu governo pelos aliados conservadores, isolando os setores ligados aos
movimentos sociais e à militância petista que também lhe apoiaram, levou a seu
ocaso via um golpe judiciário, no dia 16 de abril de 2009.
Embora
até tentasse, Lago demorou a compreender que nunca seria uma opção da lógica do
poder oligárquico. Fora uma opção aceita pela oposição conservadora, cujo líder
de então, José Reinaldo, não acreditara na eleição do pedetista por fora da
lógica do poder em Brasília e no Maranhão, de tal modo que fez de um
ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Edison Vidigal, o seu
candidato preferencial ao governo, montando uma coligação lulista em seu apoio,
reunindo PSB-PT-PCdoB.
Flávio
Dino, em 2014, aproxima-se mais da experiência da chegada de Sarney ao Governo
do que do exemplo de Jackson Lago. Embora gestado na oposição de esquerda
(ex-PCdoB, ex-PT, novamente PCdoB), Dino galgou espaço nos poderes
constituídos, iniciando pelo mais conservador deles, o Judiciário; seu mandato
de deputado federal foi obtido sob a autêntica lógica do voto oligárquico:
chefe orienta, coronel implementa, votos de cabresto multiplicam-se nas urnas.
A
metamorfose dinista, entre 2006 e 2014, foi mais acelerada do que se supunha:
(i) de oposição de esquerda (fora dele a invenção do discurso
do “pós-Sarney”, em 2006, e do “enfrentamento às oligarquias Sarney e
Lago”, em 2008) transitou aceleradamente para (ii) oposição
consentida (em 2008, teve o voto de Roseana Sarney e Gastão Vieira, no
segundo turno das eleições para prefeito de São Luís), saltando à dissidência
oligárquica, sob comando de José Reinaldo, Humberto Coutinho e Roberto Rocha,
para incorporar a (iii) oposição conservadora, a partir do apoio
que buscou e recebeu, de lideranças como José Vieira e os tucanos João Castelo
e Sebastião Madeira; às vésperas da eleição, sua candidatura (ex-oposição de
esquerda; ex-oposição consentida; ex-oposição conservadora) constitui-se (iv) a opção
por dentro do próprio sistema oligárquico de poder, com a adesão, nada
republicana, por exemplo, do grupo comandado pelo presidente do Tribunal de
Contas do Estado (TCE), Edmar Cutrim.
Percebe
como a terceira “vitória da oposição” assemelha-se em muito com a primeira,
caro(a) leitor(a)?
Rigorosamente,
as três vitórias da oposição no Maranhão foram batalhas vencidas pelo poder
oligárquico, que apenas alternou a personificação de seus líderes: sendo um por
dentro da estrutura; um por fora, a qual engoliu e depois livrou-se dele; e um
por dentro da estrutura cujo caráter do governo, se obedecida à lógica da
construção da aliança, tende a retomar, mutatis mutandis, a
experiência de 1965.
Isto
porque, em suas quase cinco décadas de poder, o sarneismo usou e abusou da
estrutura oligárquica que, para ter sobrevida, volta-se agora contra ele.
Em
seus 18 anos de exercício direto do Governo Estadual (José Sarney – 1966 a 1970;
Roseana Sarney –1995 a 1998; 1999 a 2002; 2009 a 2010; 2011 a 2014), e nos
demais, exercidos por governadores eleitos pelo grupo como um todo, embora
mantendo algum contencioso aqui e ali (Pedro Neiva de Santana - 1971 a 1974,
Nunes Freire – 1975 a 1978, João Castelo – 1979 a 1982, Luís Rocha – 1983 a
1986, Epitácio Cafeteira – 1987 a 1990, Edison Lobão – 1991 a 1994, e José
Reinaldo – 2003 a 2006), todos, absolutamente todos, utilizaram-se do apoio da
estrutura do poder oligárquico para se eleger.
Basta
ver com quem, hoje, vão às urnas grande parte dessa estrutura (bancada de
deputados federais, do Legislativo estadual e das Câmaras Municipais),
prefeituras municipais, detentores dos cargos federais no estado, agentes do
TCE, do judiciário e do Ministério Público, a maioria das famílias e
agrupamentos políticos em torno de ex-governadores do Estado. Ou seja, basta
analisar para qual candidatura o o aparelho do Estado oligárquico se volta.
Candidato
e candidatura são coisas radicalmente diferentes. Mas, geralmente, a segunda
engole o primeiro, sobretudo em movimentos que vêm mais de acomodação do que de
enfrentamento com a estrutura vigente.
Acontece
neste 5 de outubro de 2014 o que ocorreu em 3 de outubro de 1965: a restauração
da lógica do poder oligárquico.
Com
Sarney, esse processo estendeu-se por 49 anos, para, ao final, derreter como um
picolé sob um sol escaldante. A duração do ciclo dinista desse poder
oligárquico, que se instaura a partir de agora, será diretamente proporcional à
luta de classes que se resolverá no segundo turno das eleições presidenciais, à
agenda dos movimentos sociais de resistência, no pós-eleição, e ao papel de
intelectuais e partidos de esquerda que não silenciaram, não serviram de apoio
ou aderiram à via, para chegar ao poder, pelo atalho fácil da aliança com a
estrutura oligárquica.
E,
sobretudo, em ter a convicção de que TUDO O QUE SÓLIDO SE DEMANCHA NO
AR! Sejam velhas, sejam novas estruturas do poder oligárquico!!
(*) Franklin Douglas - jornalista e professor, doutorando em Políticas Públicas (UFMA), escreve ao Jornal Pequeno aos domingos, quinzenalmente. Publicado na edição de 5/10/2014, opinião
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