Franklin Douglas (*)
Presenciamos a mais disputada das eleições brasileiras ao Governo
Federal desde 1989, quando Collor de Mello (ex-PRN) e Lula (PT) se enfrentaram
– o “Marajá das Alagoas” vencendo, por
apertada diferença, o “Sapo barbudo”, no segundo turno.
As disputas seguintes tiveram um quê de jogo jogado: (i) Fernando
Henrique Cardoso (PSDB), vencendo no primeiro turno, em 1994 e 1998; (ii) Luís
Inácio Lula da Silva (PT), no segundo turno em 2002, já sob o marketing “Lulinha
paz e amor” de Duda Mendonça, e, na reeleição, em
2006; e (iii) Dilma Rousseff (PT), o poste do mito Lula, em 2010 – estas três
últimas, eleições em segundo turno, mas com saída em vantagem aos candidatos
petistas.
Esse fato novo talvez seja um dos motivadores de algo também inusitado:
nunca se debateu tanto uma eleição neste país. Na praça, no trabalho, na sala
de aula, na família, nos grupos do What Zap, só o que se discute é o segundo turno. E, infelizmente, cada vez mais
com argumentos de menos e preconceitos de mais disparados por ambos os lados.
Petistas e tucanos conseguiram, em 20 anos, o que sempre sonharam:
americanizaram as eleições brasileiras, em tudo: no marketing, no financiamento
milionário, na plataforma programática e no bipartidarismo a la Democratas x Republicanos, com a diferença de que, no Brasil, pelas ideias e aliados de ambos,
não sabemos exatamente quem são os Democratas, quem são os Republicanos!
Numa eleição de cenário imprevisível, o PT colhe o que plantou.
Não enfrentou o monopólio da mídia: vê-se golpeado por um rolo compressor de notícias e reportagens em
ataque ao governo, criando um cenário de representação política favorável ao
candidato opositor.
Não enfrentou economicamente a questão das privatizações, ao contrário, mudou de nome, para “concessões”, a fim de ludibriar a
opinião pública: agora vê o grande capital beneficiário das privatizações
petistas não economizar no financiamento da campanha de seu adversário.
Não enfrentou ideologicamente o fundamentalismo religioso: agora, encontra-se demonizado junto ao eleitorado evangélico,
justamente por aqueles que cortejou.
Não enfrentou a reforma política do sistema, ao
contrário, aprofundou a defesa de sua governabilidade conservadora e de sua
tática de alianças com a velha política (Collor, Maluf, Sarney, Barbalho,
Temer, etc), justificando-a como o “mal necessário”: agora se depara com o
cenário inédito, nos últimos 40 anos, de amplo crescimento do campo conservador
no Congresso Nacional.
Esse é o oxigênio que traz a candidatura de Aécio Neves ao centro da disputa
com uma força nunca antes apresentada: econômica, eleitoral, política e
ideologicamente.
Aécio já sai vitorioso da eleição, mesmo que a perca, pois o PSDB nunca
teve um candidato tão competitivo, desde os anos 1990. Robustece-se
politicamente para ser uma oposição muito mais dura do que o PT enfrentou até
agora, se não vencer; se ganhar, construirá uma rápida rearticulação de forças
em torno de si, cuja consequência será uma ampla articulação de políticas de
retrocesso no tocante às demandas populares.
Se com Lula e Dilma essa agenda avançava a passos lentos – consequência
de seu transformismo
político em curso –, com Aécio, seu fôlego propiciará passos acelerados: Estado
mínimo, privatizações, sucateamento das universidades federais e do serviço público,
diminuição de concursos, redução de recursos para a agricultura familiar,
precarização do trabalho, volta do tratamento dos direitos humanos como caso de polícia e não de políticas...
E, por fim, ideologicamente, Aécio Neves chegará ao poder tal qual os
neoliberais pós-queda do muro de Berlim: na ofensiva do pensamento conservador.
Sua defesa do governo Fernando Henrique Cardoso é só uma amostra grátis do que
virá pela frente.
E deixará uma “esquerda”, a petista, perplexa e sem rumo, pois
carimbada com o rótulo de corrupta. Sai do Palácio do Planalto sem perspectiva de retorno, porque não se
afirmou como alternativa de sociedade, e perdeu o discurso da ética, deixando
uma geração de jovens, crescida nos anos 2000, como a mais conservadora das
juventudes deste País, pois as organizações coletivas pelas quais ela poderia se
desvencilhar das amarras ideológicas de seu tempo e exercer sua participação
crítica, foram amordaçadas pelo governismo, a exemplo da UNE, a União Nacional
dos Estudantes.
Frente a esse cenário, o que fazer? Apostar no quanto pior melhor, cara
leitora, caro leitor?
A lógica predominante nas políticas públicas sob o governo petista foi
assim:
1) uma demanda social legítima: por exemplo, ampliação de vagas no
ensino superior ou mais habitações populares;
2) um movimento social articulado a essa demanda: como a UNE ou os
movimentos por moradia;
3) um setor do grande capital interessado em lucrar com o programa
governamental voltado a essa demanda: tais como grandes grupos empresariais
educacionais e empreiteiras;
4) um programa governamental para dar conta dessa demanda: a exemplo
do “PROUNI”, do “FIES” ou do “Minha
casa, minha vida”;
5) um ministério para executar esse programa, sob controle de um
partido que, a partir de uma burocracia instalada na
direção, negocia vantagens junto ao empresariado em torno do programa, a fim de
obter financiamento “impróprio” às ações do partido.
Essa lógica permitiu um cenário no qual, nunca na História deste país, ricos enriquecessem tanto, burocracias partidárias se apropriassem
indevidamente tanto de recursos públicos, diversos movimentos sociais fossem
tão domesticados... Mas também: nunca amplos setores da população saíram tanto da
indigência social! Basta não esquecer que, nos governos tucanos, o maior
salário mínimo foi de 78 dólares (R$ 189,74): hoje, está por volta dos 300
dólares.
Essa ampliação da capacidade de consumo da classe trabalhadora levou à
emergência de camadas sociais, erroneamente denominadas de “nova classe média”,
que fortaleceu um mercado interno que possibilitou ao país enfrentar as crises
internacionais do capital.
A crítica contunde ao modus
operandi do governo do PT, contudo, não pode ter como consequência a entrega do
povo brasileiro aos leões neoliberais. Ou o enfraquecimento das alternativas gestadas pelo povo
latino-americano aos ditames estadunidenses e o retorno da ALCA, a Área de Livre Comércio das Américas (para
os norte-americanos!).
A justificativa do voto no PSDB sob o argumento da alternância no poder
é falsa, pois os últimos 20 anos de governos do PSDB e do PT não alteraram a
forma de fazer política no Brasil. Ainda que, no caso do PT, tenha mudado a
forma de sobrevivência social dos mais pobres.
A verdadeira alternância no exercício do poder passa por mobilizar a
sociedade para as mudanças democratizantes do sistema e por fazer a “nova
classe média” compreender que seu destino não é o sonho do padrão de consumo
das classes altas, ao qual a “velha classe média” sempre se atrelou, mas de ter
o papel de protagonista na construção de uma sociedade de iguais oportunidades
a todos.
A vitória tucana põe fim a esse cenário, a não derrota petista mantém
esse futuro em aberto. Por isso: continuar com Dilma, apesar dos pesares!
(*) Franklin Douglas - jornalista e professor, doutorando em Políticas Públicas (UFMA), escreve ao Jornal Pequeno aos domingos, quinzenalmente. Publicado na edição de 19/10/2014, opinião.
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