domingo, 19 de outubro de 2014

APESAR DOS PESARES


Franklin Douglas (*) 


Presenciamos a mais disputada das eleições brasileiras ao Governo Federal desde 1989, quando Collor de Mello (ex-PRN) e Lula (PT) se enfrentaram – o “Marajá das Alagoas” vencendo, por apertada diferença, o “Sapo barbudo”, no segundo turno.
As disputas seguintes tiveram um quê de jogo jogado: (i) Fernando Henrique Cardoso (PSDB), vencendo no primeiro turno, em 1994 e 1998; (ii) Luís Inácio Lula da Silva (PT), no segundo turno em 2002, já sob o marketing “Lulinha paz e amor” de Duda Mendonça, e, na reeleição, em 2006;  e (iii) Dilma Rousseff (PT), o poste do mito Lula, em 2010 – estas três últimas, eleições em segundo turno, mas com saída em vantagem aos candidatos petistas.
Esse fato novo talvez seja um dos motivadores de algo também inusitado: nunca se debateu tanto uma eleição neste país. Na praça, no trabalho, na sala de aula, na família, nos grupos do What Zap, só o que se discute é o segundo turno. E, infelizmente, cada vez mais com argumentos de menos e preconceitos de mais disparados por ambos os lados.
Petistas e tucanos conseguiram, em 20 anos, o que sempre sonharam: americanizaram as eleições brasileiras, em tudo: no marketing, no financiamento milionário, na plataforma programática e no bipartidarismo a la Democratas x Republicanos, com a diferença de que, no Brasil, pelas ideias e aliados de ambos, não sabemos exatamente quem são os Democratas, quem são os Republicanos!
Numa eleição de cenário imprevisível, o PT colhe o que plantou.
Não enfrentou o monopólio da mídia: vê-se golpeado por um rolo compressor de notícias e reportagens em ataque ao governo, criando um cenário de representação política favorável ao candidato opositor.
Não enfrentou economicamente a questão das privatizações, ao contrário, mudou de nome, para “concessões”, a fim de ludibriar a opinião pública: agora vê o grande capital beneficiário das privatizações petistas não economizar no financiamento da campanha de seu adversário.
Não enfrentou ideologicamente o fundamentalismo religioso: agora, encontra-se demonizado junto ao eleitorado evangélico, justamente por aqueles que cortejou.
Não enfrentou a reforma política do sistema, ao contrário, aprofundou a defesa de sua governabilidade conservadora e de sua tática de alianças com a velha política (Collor, Maluf, Sarney, Barbalho, Temer, etc), justificando-a como o “mal necessário”: agora se depara com o cenário inédito, nos últimos 40 anos, de amplo crescimento do campo conservador no Congresso Nacional.
Esse é o oxigênio que traz a candidatura de Aécio Neves ao centro da disputa com uma força nunca antes apresentada: econômica, eleitoral, política e ideologicamente.
Aécio já sai vitorioso da eleição, mesmo que a perca, pois o PSDB nunca teve um candidato tão competitivo, desde os anos 1990. Robustece-se politicamente para ser uma oposição muito mais dura do que o PT enfrentou até agora, se não vencer; se ganhar, construirá uma rápida rearticulação de forças em torno de si, cuja consequência será uma ampla articulação de políticas de retrocesso no tocante às demandas populares.
Se com Lula e Dilma essa agenda avançava a passos lentos – consequência de seu transformismo político em curso –, com Aécio, seu fôlego propiciará passos acelerados: Estado mínimo, privatizações, sucateamento das universidades federais e do serviço público, diminuição de concursos, redução de recursos para a agricultura familiar, precarização do trabalho, volta do tratamento dos direitos humanos como caso de polícia e não de políticas...
E, por fim, ideologicamente, Aécio Neves chegará ao poder tal qual os neoliberais pós-queda do muro de Berlim: na ofensiva do pensamento conservador. Sua defesa do governo Fernando Henrique Cardoso é só uma amostra grátis do que virá pela frente.
E deixará uma “esquerda”, a petista, perplexa e sem rumo, pois carimbada com o rótulo de corrupta. Sai do Palácio do Planalto sem perspectiva de retorno, porque não se afirmou como alternativa de sociedade, e perdeu o discurso da ética, deixando uma geração de jovens, crescida nos anos 2000, como a mais conservadora das juventudes deste País, pois as organizações coletivas pelas quais ela poderia se desvencilhar das amarras ideológicas de seu tempo e exercer sua participação crítica, foram amordaçadas pelo governismo, a exemplo da UNE, a União Nacional dos Estudantes.
Frente a esse cenário, o que fazer? Apostar no quanto pior melhor, cara leitora, caro leitor?
A lógica predominante nas políticas públicas sob o governo petista foi assim:
1) uma demanda social legítima: por exemplo, ampliação de vagas no ensino superior ou mais habitações populares;
2) um movimento social articulado a essa demanda: como a UNE ou os movimentos por moradia;
3) um setor do grande capital interessado em lucrar com o programa governamental voltado a essa demanda: tais como grandes grupos empresariais educacionais e empreiteiras;
4) um programa governamental para dar conta dessa demanda: a exemplo do  PROUNI”, do “FIES” ou do “Minha casa, minha vida”;
5) um ministério para executar esse programa, sob controle de um partido que, a partir de uma burocracia  instalada na direção, negocia vantagens junto ao empresariado em torno do programa, a fim de obter financiamento “impróprio” às ações do partido.
Essa lógica permitiu um cenário no qual, nunca na História deste país, ricos enriquecessem tanto, burocracias partidárias se apropriassem indevidamente tanto de recursos públicos, diversos movimentos sociais fossem tão domesticados... Mas também: nunca amplos setores da população saíram tanto da indigência social! Basta não esquecer que, nos governos tucanos, o maior salário mínimo foi de 78 dólares (R$ 189,74): hoje, está por volta dos 300 dólares.
Essa ampliação da capacidade de consumo da classe trabalhadora levou à emergência de camadas sociais, erroneamente denominadas de “nova classe média”, que fortaleceu um mercado interno que possibilitou ao país enfrentar as crises internacionais do capital.
A crítica contunde ao modus operandi do governo do PT, contudo, não pode ter como consequência a entrega do povo brasileiro aos leões neoliberais. Ou o enfraquecimento das alternativas gestadas pelo povo latino-americano aos ditames estadunidenses e o retorno da ALCA, a Área de Livre Comércio das Américas (para os norte-americanos!).
A justificativa do voto no PSDB sob o argumento da alternância no poder é falsa, pois os últimos 20 anos de governos do PSDB e do PT não alteraram a forma de fazer política no Brasil. Ainda que, no caso do PT, tenha mudado a forma de sobrevivência social dos mais pobres.
A verdadeira alternância no exercício do poder passa por mobilizar a sociedade para as mudanças democratizantes do sistema e por fazer a “nova classe média” compreender que seu destino não é o sonho do padrão de consumo das classes altas, ao qual a “velha classe média” sempre se atrelou, mas de ter o papel de protagonista na construção de uma sociedade de iguais oportunidades a todos.
A vitória tucana põe fim a esse cenário, a não derrota petista mantém esse futuro em aberto. Por isso: continuar com Dilma, apesar dos pesares!

(*)  Franklin Douglas - jornalista e professor, doutorando em Políticas Públicas (UFMA), escreve ao Jornal Pequeno aos domingos, quinzenalmente. Publicado na edição de 19/10/2014, opinião. 

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