terça-feira, 26 de maio de 2015

PELA DEMOCRACIA. Confira entrevista de Antonio Gonçalves ao Vias de Fato



No próximo dia 27 de maio teremos a consulta à comunidade universitária para a escolha do reitor/a e vice-reitor/a que irá dirigir a Universidade Federal do Maranhão (UFMA) pelos próximos quatro anos. Este processo de escolha é absolutamente antidemocrático e ainda tem vícios do período da ditadura militar. O melhor candidato para reitor da UFMA, neste ano de 2015, é o médico Antônio Gonçalves, apoiado pelo Movimento UFMA Democrática, o MUDe. O Vias de Fato ouviu Antônio Gonçalves. Leiam e divulguem a entrevista:
 
Vias de Fato – A universidade pública é um terreno em que a democratização das instâncias administrativas parece ter mudado muito pouco desde o fim da ditadura. Como o senhor vê as regras para a escolha de reitores e vice-reitores?
Antônio Gonçalves – Sim. O modelo de escolha de reitores e vice-reitores nas universidades públicas brasileiras remonta à época da ditadura militar e precisa ser mudado. São três etapas: consulta à comunidade universitária, com uma desproporção do peso do voto entre os três segmentos da universidade, docentes (70%), técnicos (15%) e estudantes (15%); depois eleição indireta em um colégio eleitoral (o Conselho Universitário – CONSUN) para elaboração de uma lista tríplice a ser submetida, enfim, à Presidência da República. Defendemos que a escolha se encerre no âmbito da Instituição, com eleições diretas e paridade entre docentes, técnicos e discentes, evocando o Art. 207 da Constituição Federal que trata da Autonomia Universitária. Aqui na UFMA, boa parte do Colégio Eleitoral é composta por pró-reitores que fazem parte da administração superior. Outra parte, por chefes de departamento e coordenadores de curso, que tiveram seus mandatos prorrogados pelo atual reitor e estão pro-tempore.
 
Vias de Fato – O que é o Movimento UFMA Democrática?
Antônio Gonçalves – O MUDe – Movimento Ufma Democrática – é um coletivo autônomo e independente composto de todos os segmentos, áreas e campi, que se apresenta à comunidade universitária, aos segmentos sociais organizados e ao povo do Maranhão como um espaço democrático de debate crítico e propositivo das questões acadêmicas, políticas, administrativas, culturais e socioambientais, para compartilhar experiências comuns exitosas, visando à construção de uma universidade pública, de qualidade social, com liberdade de expressão, autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial. Em suma, trata-se da tentativa de construção de uma alternativa política ao atual modelo de gestão patrimonialista, que combina despolitização do ambiente universitário com a política pequena de troca de favores.
 
Vias de Fato – A universidade pública no Brasil passou nos últimos anos por um processo de expansão através do REUNI, projeto dado por finalizado pelo governo federal. Como o senhor analisa o quadro geral e o caso da UFMA em particular?
Antônio Gonçalves – O REUNI previa contrapartidas das Universidades, como a ampliação do número de vagas e cursos e isso se deu de modo diverso Brasil afora. Aqui na UFMA, os recursos chegaram e permitiram a sua expansão, porém a alocação dos mesmos não foi pactuada com a comunidade universitária, fato que gerou muitas distorções, construção de obras não prioritárias, gastos excessivos em algumas delas e a precarização das atividades acadêmicas. Acredito que um planejamento participativo e eficiente teria evitado muitos dos problemas que hoje afligem nossa comunidade. Ampliamos o acesso, mas a evasão é muito alta e as condições de trabalho e estudo precisam melhorar. A expansão da Universidade não pode reduzir-se apenas ao aspecto quantitativo, mas é necessário que a qualidade das condições de trabalho dos docentes e técnicos seja garantida, pois não é possível formar bons cientistas e professores apenas com prédios novos (e inacabados), mas condições materiais e políticas necessárias ao ethos do fazer universitário.
 
Vias de Fato – O campus da UFMA, rebatizado para cidade universitária, sofreu grande modificação, uma remodelação com várias construções. Qual a sua opinião sobre essa expansão?
Antônio Gonçalves – A expansão física e territorial não resolveu muitos e antigos problemas e ainda criou novos. Muitas obras necessitaram de aditivos para serem concluídas e ainda assim já precisam de reparos estruturais; outras estão com o cronograma muito atrasado, como os prédios da Biologia e da Enfermagem, a Biblioteca Central, as quadras poliesportivas dos campi do continente e tantas outras. O pórtico do campus Bacanga custou quase meio milhão de reais e o de Chapadinha algo em torno de 700 mil. A pista de atletismo tem revestimento importado e o custo total pode ter chegado a 10 milhões de reais. Ao lado do Restaurante Universitário no Bacanga um prédio foi construído, ao custo de 600 mil reais, para ser um restaurante terceirizado e nunca funcionou plenamente. Houve muito desperdício de recursos públicos. Enquanto isso, prédios mais antigos, como o CCSo, CCH e CCET têm condições insalubres, sem climatização, com riscos à saúde das pessoas e sem condições adequadas de trabalho.
 
Vias de Fato – Qual o orçamento atual da UFMA e qual o nível de transparência dos gastos e de participação da comunidade universitária na definição das prioridades?
Antônio Gonçalves – O orçamento da UFMA não é transparente e os dados consolidados do Portal da Transparência do Governo Federal não nos permitem uma análise mais detalhada. Em 2007 a UFMA recebeu, como gastos diretos, R$ 301.386.984,80 e em 2014 foram R$ 616.764.639,95, o que representa um aumento significativo mesmo considerando a variação inflacionária do período. Isso sem incluir o Hospital Universitário que recebeu em 2014 mais de R$ 203.862.923,44. Do montante de recursos recebidos pela UFMA e pelo HU, mais de 80 milhões são gastos via Fundação Josué Montello. Não há participação da comunidade universitária na alocação dos recursos. Propomos a construção de um orçamento participativo, a partir do planejamento de cada subunidade acadêmica e a realização de audiências públicas para a eleição de prioridades.
 
Vias de Fato – No cenário atual de crise e contenção de gastos, as dificuldades para captação de recursos serão uma tônica para a nova reitoria. Como o sr. pensa em enfrentar o problema?
Antônio Gonçalves – Os recursos para a Educação Pública no Brasil precisam aumentar cada vez mais. Ainda estamos distantes dos preceitos constitucionais e defendemos 10% do PIB para a Educação Pública. Pretendemos começar por uma ampla auditoria das contas da Universidade e fazer um bom planejamento, visando melhorar a qualidade do gasto, com corte dos desperdícios e elegendo prioridades em função de sua relevância acadêmica. Ainda assim, necessitaremos buscar mais recursos através de programas, convênios e emendas parlamentares.
 
Vias de Fato – A UFMA desenvolveu suas atividades com a construção de unidades em outros municípios do estado. Qual a sua visão sobre a política de interiorização? O sr. tem conhecimento da situação desses campi universitários e de suas necessidades?
Antônio Gonçalves – A interiorização é necessária para que a Universidade cumpra a sua função social, mas devemos perseguir um padrão único de qualidade, somos todos UFMA. Hoje o que percebemos é uma heterogeneidade muito grande entre os campi. Na maioria dos campi não há residência estudantil, nem restaurante universitário funcionando ou transporte público. Em Chapadinha, Pinheiro, Grajaú e no Bom Jesus de Imperatriz chegar até o campus é uma tarefa árdua. As bolsas PIBID são que financiam em parte os gastos com transporte, moradia e alimentação em muitos campi, o que caracteriza um desvio da função desses recursos. Quando se iniciou a reabertura do campus de Chapadinha, ainda na gestão do reitor Fernando Ramos, uma audiência pública foi convocada para a definição dos cursos que ali deveriam funcionar. Esse método democrático não se repetiu em outros campi, onde a decisão foi meramente política. Devemos buscar fortalecer a indissociabilidade entre Ensino, Pesquisa e Extensão como ações formadoras. Hoje é possível um estudante entrar na UFMA e integralizar o seu curso sem fazer pesquisa e extensão. Para isso propomos garantir pelo menos 20% dos créditos de cada curso para pesquisa e extensão. Nossos programas de pós-graduação estão concentrados em São Luís, temos apenas dois mestrados nos campi do continente e precisamos aumentar esse número, com qualidade. Para isso propomos um fórum permanente de coordenadores dos programas de pós-graduação que possibilite o compartilhamento de experiências e ações conjuntas.
 
Vias de Fato – A UFMA conta hoje com quantos cursos de pós-graduação, nos níveis de mestrado e doutorado? Em sua opinião ela realiza pesquisa de qualidade?
Antônio Gonçalves – A pós-graduação na UFMA ainda é muito incipiente e insuficiente. Em 2007 possuíamos apenas um doutorado; com a implantação do Reuni em 2008, saltou para quatro e em 2014 atingiu nove doutorados. Atualmente a UFMA possui 32 programas stricto sensu. No Campus de São Luís, são 51 cursos de graduação presenciais e apenas 25 programas de pós-graduação que oferecem 32 cursos de pós-graduação stricto sensu. A distribuição dos cursos de pós-graduação é desigual nas áreas de conhecimento, considerando que na área de Ciências Humanas há 14 cursos de graduação e apenas seis cursos de pós-graduação, sendo cinco mestrados e um doutorado; Ciências Sociais tem 16 cursos de graduação e cinco cursos de pós-graduação, com quatro mestrados e um doutorado; Ciências Biológicas e da Saúde possui nove cursos de graduação e 11 cursos de pós-graduação, sendo três de doutorado e oito de mestrado. Ciências Exatas e Tecnológicas tem 12 cursos de graduação e 10 cursos de pós-graduação, sendo dois doutorados e oito mestrados. A UFMA possui oito campi no continente com sedes em Imperatriz, Chapadinha, Bacabal, Codó, Grajaú, Pinheiro, São Bernardo e Balsas, com um total de 30 cursos de graduação e apenas dois cursos de pós-graduação, sendo um mestrado em Imperatriz e um mestrado em Chapadinha. Pelos critérios da CAPES a maioria dos nossos programas têm nota 3, de uma pontuação máxima de 7 e o programa melhor pontuado tem nota 6. Para além dos critérios CAPES, cabe ressaltar que defendemos um modelo de Universidade que produza conhecimento de interesse da sociedade como um todo. Sim, a UFMA faz pesquisa de qualidade. Defendemos que nossas pesquisas devem ser indissociáveis do ensino e da extensão e não podem ficar restritas à pós-graduação.
 
Vias de Fato – Como o sr. vê a relação da UFMA com a sociedade maranhense e suas carências sociais?
Antônio Gonçalves – A UFMA tem ações pontuais de grande relevância social, precisamos ampliá-las e para isso queremos investir fortemente na extensão universitária e na interiorização. No entorno do Campus Bacanga, por exemplo, há diversas comunidades dispostas a desenvolverem conosco programas de extensão, como o NEVE, Núcleo de Extensão da Vila Embratel que há anos cumpre uma importante função social. Propomos democratizar as relações de poder dentro da Universidade e nas relações desta com a sociedade. Hoje não somos um bom exemplo no que tange à democracia, reproduzimos aqui dentro as práticas de um estado que por anos foi dominado por um único grupo político. Nossa UFMA também precisa mudar!
 
Vias de Fato – A inclusão social é uma das bandeiras da atual reitoria. Como o sr. avalia os resultados conseguidos e como podem ser melhorados?
Antônio Gonçalves – A democratização do acesso teve início na gestão anterior, quando foi implantada a política de cotas. Com o REUNI houve aumento do acesso, porém a qualidade das nossas ações não tem sido capaz de reduzir a evasão e, por outro lado, garantir a integralização dos cursos no tempo previsto; muitas disciplinas deixam de ser ofertadas por falta de docentes e técnicos. Temos que melhorar nosso acolhimento aos estudantes, principalmente aos mais carentes, que necessitam de moradia, alimentação e transporte. Em 2013, um grupo de alunos recorreu à greve de fome para garantir a residência estudantil no Campus Bacanga, uma atitude extrema ante a insensibilidade da administração superior. Vamos ampliar as bolsas permanência, tanto no seu valor, quanto no tempo de recebimento, que atualmente é de dois anos, e pretendemos ampliar para todo o período do curso. Dispomos de restaurante universitário apenas em São Luís e com enormes filas, as quais iremos reduzir descentralizando os locais onde os alimentos são servidos, há outros espaços para isso. Os estudantes do COLUN não têm acesso ao RU e nós nos comprometemos em garantir este acesso para aqueles que desenvolvem atividades de tempo integral. Nos campi do continente, nenhum restaurante funciona e assumimos o compromisso de garantir a abertura dos mesmos, com refeições subsidiadas. Quanto à acessibilidade das pessoas com deficiência o panorama é mais grave ainda, tanto no que se refere à locomoção, quanto ao acesso às ferramentas pedagógicas. Vamos criar um núcleo para tratar da questão da acessibilidade, com dotação orçamentária e com a participação das pessoas com deficiência.
 
Vias de Fato – O senhor é médico, com muitos anos de trabalho no Hospital Universitário. Qual a situação atual do HU, tendo em vista a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), que possibilita justamente a terceirização dos serviços?
Antônio Gonçalves – O nosso complexo hospitalar foi entregue à gestão da EBSERH, uma empresa pública de direito privado, em uma reunião do Conselho de Administração do HU, presidido pela atual diretoria do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, sem que o tema constasse em pauta e sem que os colegiados superiores da UFMA tomassem conhecimento. Foi uma atitude autoritária e com graves consequências. O hospital passa por uma grave crise em consequência desse “novo modelo de gestão”, com falta de materiais de consumo, aumento das filas para atendimento e das solicitações de tratamento fora de domicílio. As compras centralizadas em Brasília não têm reduzido os custos devido o alto preço dos fretes, pois a maioria das empresas vencedoras é do sul e sudeste do país. A EBSERH faz apenas gestão de pessoal e não há investimento adequado. Os departamentos ligados ao HU são ignorados no planejamento e gestão do hospital, os docentes e técnicos lotados no HU têm sido substituídos em funções de chefia por aqueles contratados pela empresa. O Conselho de Administração e o cargo de diretor só existem no papel. Temos o desafio de iniciar um processo de transição para trazer de volta o nosso HU para a gestão da UFMA. Para isso daremos transparência à contratualização entre a Universidade e a EBSERH, de quem exigiremos o cumprimento das metas acordadas. Ampliaremos a influência das coordenações dos cursos na elaboração das atividades a serem desenvolvidas naquele cenário de prática e valorizaremos os técnicos de carreira que ali estão lotados. O HU é uma unidade de formação e não apenas de assistência.
 
Vias de Fato – O sr. foi presidente da APRUMA, histórica associação sindical dos professores da UFMA. Como analisa a criação de outro sindicato, o SINDUFMA?
Antônio Gonçalves – O ANDES Sindicato Nacional é quem possui a carta sindical para representar os docentes do ensino superior das instituições públicas, porém somos contra a unicidade sindical e acreditamos que os trabalhadores devem ter liberdade de organização. Do ponto de vista estratégico, a quem interessa a divisão da categoria docente? Criticamos o método de criação do SINDUFMA, que teve início no gabinete do atual reitor e sem organicidade.
 
Vias de Fato – A última consulta eleitoral para reitor e vice da UFMA apresentou um alto nível de abstenção. Em sua opinião o que isto revela? Como fazer para reverter o processo e estimular a comunidade universitária?
Antônio Gonçalves – A abstenção revela o desinteresse da nossa comunidade pela consulta, que é antidemocrática. O período de campanha de apenas 12 dias úteis torna impossível um debate aprofundado sobre a Universidade e a visita a 37 departamentos, ao COLUN e a oito campi do continente. Propomos que a consulta seja por voto paritário entre os três segmentos da UFMA, em dois turnos e com um período maior de campanha. A comissão eleitoral deverá organizar debates em todos os Centros Acadêmicos, COLUN e campi. Na nossa gestão a comunidade será chamada a se posicionar em diversas decisões, assim conseguiremos aprimorar os processos democráticos. Assim, o protagonismo da nossa campanha se revela justamente na participação e na politização do processo eleitoral, em que a comunidade escolar mostra-se interessada, mesmo sob circunstâncias antidemocráticas, em debater os verdadeiros problemas da UFMA. A forte adesão que estamos recebendo é uma expressão deste desejo. Temos que furar a propaganda da atual gestão. Fazemos um chamado à comunidade universitária a não apenas participar deste processo, como a contribuir para a verdadeira mudança de que a UFMA precisa.

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