Estamos assistindo, e o
termo infelizmente é este, a mais um episódio de extrema irresponsabilidade e
insensibilidade protagonizado pela administração superior da UFMA, sintetizado
na posição imperial e intransigente do reitor Natalino Salgado em torno da
questão da moradia estudantil, que se arrasta desde o início de sua gestão.
Para ser mais preciso, a comunidade de estudantes acertou com a administração
que findava, após uma pressão com a ocupação da reitoria por oito dias, o
término das obras do prédio próximo ao bairro do Sá Viana. Recursos previstos
para 2007 por emenda parlamentar na ordem de 5 milhões e liberados somente em
dezembro, quando já havia tomado posse a nova administração, contemplavam com
sobras a obra, cuja finalização estava orçada em cerca de 170 mil reais. Desde
então, por mais incrível ou bizarro que pareça, a obra nunca foi concluída, a
reitoria sempre enrolando os estudantes com evasivas, apesar das ações de
pressão que envolveram novamente a ocupação da reitoria.
Nascido do
descumprimento de um acordo herdado da administração anterior, o dilema da
moradia estudantil, apesar de todo o dinheiro recebido pela universidade nestes
últimos anos por conta do REUNI, espelha rigorosamente um modo de pensar a
administração da universidade como resultante da concentração de decisões. É
uma forma avessa não só à participação, mas, sobretudo, voltada ao esvaziamento
dos colegiados superiores, estabelecendo um padrão de gestão, para usar uma
palavra cara à atual reitoria, muitas vezes alheio à observância mínima das
regras, das normas básicas de funcionamento da própria instituição, mesmo da maneira
conservadora e concentradora de poderes como foram desenhados há décadas.
Em resumo, mesmo no
modelo herdado, bastante afeito à concentração de poderes na reitoria, Natalino
Salgado sempre extrapolou qualquer limite, o que tem ficado cada vez mais
evidente nos últimos acontecimentos envolvendo perseguição a professores, a
intervenção no COLUN, o total descaso em convocar o CONSUN, chegando mesmo a
ter de fazê-lo apenas após intervenções da APRUMA junto ao Ministério Público,
o encaminhamento do caso da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares e
outros. Os registros em vídeo das poucas reuniões dos conselhos superiores
atestam um comportamento despótico totalmente desconectado do ideal de
participação necessário a uma instituição universitária. É a própria figura
anacrônica de um coronel decidindo tudo para o puro assentimento de um
colegiado dócil até as raias da incompreensão.
Estes são os
ingredientes que de novo reaparecem, desta vez de uma forma mais crítica,
brutal, no episódio em curso. Inconformados com a destinação do prédio da
Moradia Estudantil para outros fins, abrigar mais um órgão da administração, a
Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis, os estudantes prejudicados reagiram. Sem
nenhuma resposta clara por parte da reitoria sobre um problema grave que se
arrasta há tanto tempo, e efetivado o descumprimento da destinação que sempre
foi sua, diante da inauguração para outros fins, o estudante do curso de
Ciências Sociais, Josemiro Oliveira, tomou uma atitude de risco, acorrentando-se
às grades da entrada do prédio e decretando uma greve de fome que já dura três
penosos dias. Jogado no tempo, com a ajuda apenas de colegas de moradia,
membros da aguerrida direção da APRUMA e do DCE, alguns poucos professores e
estudantes.
Isso mesmo! Greve de
fome para conseguir uma audiência com o Magnífico Reitor para tratar de um assunto
essencial a uma parcela de nossos estudantes, que deveriam estar vivendo em
condições dignas e não passando as dificuldades terríveis que vez ou outra são
denunciadas ou vêm à tona apenas por força de atitudes quase desesperadas como
esta, mas compreensíveis diante da intransigência irresponsável da atual
reitoria. Numa manifestação desastrada, como é de praxe, a direção da
universidade já chegou a minimizar o número de estudantes atendidos pelo
programa de moradia, quando a verdade é que o prédio seria até acanhado frente às
necessidades atuais, com a expansão a toque de caixa que estamos vivenciando.
Tivesse a menor
sensibilidade e disposição ao diálogo, o reitor deveria, ao tomar conhecimento
de tal fato, de onde estivesse, garantir a audiência com os estudantes e evitar
a continuidade de um espetáculo terrível, como é ver um estudante se acorrentar
em greve de fome dentro da universidade pública para garantir a observância de
um direito à moradia estudantil
Numa circunstância
destas é de se perguntar, para que serve um vice-reitor, por exemplo? Para
figurar ao lado do reitor e simplesmente assistir a todo festival de desvarios
autoritários que temos visto nas gravações estarrecedoras das poucas reuniões
dos colegiados superiores, sem dizer uma palavra, esboçar um gesto? Para que
servimos nós, professores, chefes de departamento, coordenadores, diretores de
centro, se assistimos passivamente à transformação da universidade num
território de desatinos administrativos e podemos conviver tranquilamente em
nossos afazeres cotidianos com uma situação insana se desenrolando às nossas
vistas, à espera de um simples gesto do homem que se considera o “dono da
UFMA”.
Esta não é uma questão
circunscrita, é a reafirmação continuada e sem freios de uma posição
administrativa que está levando o personalismo mais danoso a ditar os rumos da
universidade e protagonizando cenas lamentáveis, como foi a expulsão do
professor Ayala Gurgel, movida por mero capricho, revertida depois pela justiça
em caráter liminar e, agora, esta decisão abrupta, uma rasteira nos estudantes,
culminando numa situação que pode ter desdobramentos sérios se ficarmos apenas observando
como um espetáculo desagradável.
Diante deste quadro, a
administração superior da universidade limitou-se até agora a postar uma nota
cínica no site da instituição, onde afirma com todas as letras que “o Reitor tem
se reunido sistematicamente com os representantes estudantis e grupos de alunos
para ouvir demandas e reivindicações dos estudantes e atendê-los na medida do
possível”. Não responde a uma única questão, limitando-se a dizer que a
instituição não foi procurada pelos estudantes para agendar nenhuma audiência
com a reitoria para tratar do problema e arrolando números da gestão atual, bem
ao estilo da eterna propaganda que tanto lhes agrada e engana a sociedade sobre
a real situação de desmandos administrativos que é a realidade hoje da UFMA.
Quanto tempo o corajoso
Josemiro ficará ainda lá, acorrentado, para que o Magnífico se digne a conceder
aos estudantes uma audiência, explicar as suas decisões e discutir uma
resolução rápida? Sim, porque o reitor deve explicações, não só aos estudantes,
mas a toda a comunidade acadêmica.
(*) Flávio Reis - professor do Departamento de Sociologia e Antropologia
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