sábado, 7 de novembro de 2009

Vias de Fato e o (faro)Oeste maranhense

Já nas bancas a segunda edição do jornal Vias de Fato, sob coordenação editorial dos jornalistas César Teixeira e Emílio Azevedo e coordenação de Alice Pires e Altemar Moraes.

O periódico busca ser um canal de expressão das demandas sociais do movimento social maranhense. Nesta segunda tiragem, a matéria de capa é dedicada à situação das terras indígenas da região do Alto Turi. Assinado por César Teixeira, o texto é um excelente ponto de apoio para o debate sobre o que anda acontecendo no (faro)Oeste maranhense.

O Vias de Fato também está acessível na internet. Confira
aqui.



Até quando os invasores vão continuar ocupando a Terra Indígena Awá-Guajá?

Contrariando decisão da Justiça Federal no Maranhão, o TRF da 1ª Região (DF) suspendeu a retirada dos invasores que ocupam a Terra Indígena Awá-Guajá, no Oeste do Estado, e especialmente das instalações da Agropecuária Alto Turiaçu, empresa do grupo paulista Schahin. Entretanto, os recursos ainda vão ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal, podendo a sentença original ser mantida, se não houver nenhuma ingerência política, conforme observação do juiz federal José Carlos Madeira.

Por César Teixeira

O presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, Jirair Aram Meguerian suspendeu a decisão judicial emitida pelo do juiz José Carlos Madeira, da 5ª Vara Cível da Justiça Federal no Maranhão, que obriga a empresa Agropecuária Alto Turiaçu Ltda, do Grupo Schahin – assim como todos os ocupantes não-índios –, a retirar-se da Terra Indígena Awá-Guajá.

A suspensão, ocorrida em 23 de outubro, atendeu pedido da Prefeitura Municipal de Zé Doca, alegando que a retirada iria prejudicar economicamente a região. Porém, o caso não termina assim, pois o Supremo Tribunal Federal ainda vai julgar os recursos sobre a decisão da Justiça Federal, e a partir daí os invasores terão um prazo de seis meses para sair da área.

Para Madeira, dificilmente o STF invalidará a sentença. “Diante das evidências apresentadas nos autos e do contundente laudo antropológico, não acredito que o Supremo irá se pronunciar voltando atrás na nossa decisão”, ressalta o juiz maranhense.

A Sentença - Em 30 de junho deste ano, o juiz federal José Carlos Madeira, acolhendo pedido formulado pelo Ministério Público, emitiu sentença judicial contra a União e outros, condenando os réus a demarcarem a Área Indígena Awá-Guajá, seguindo-se os atos de homologação e registro imobiliário. Também declarou extintos, “não produzindo efeitos jurídicos” (CF 231 § 6º), os atos que possibilitaram a ocupação, o domínio ou a posse de terras na área, “inclusive aqueles praticados pela empresa Agropecuária Alto do Turiaçu Ltda”.

O juiz impôs, sob pena de multa diária de R$ 50 mil, depois de exaurido o prazo de 180 dias, a remoção de posseiros, madeireiros e outros do interior da Área Indígena; o desfazimento de cercas, estradas ou quaisquer obras incompatíveis com o modo de uso das terras pelos Guajá; a colocação de placas em todo o perímetro da área, que indiquem com clareza ter sido demarcada por determinação da Justiça Federal no Maranhão e proibindo o ingresso no local sem autorização da FUNAI, além da divulgação dos trabalhos de demarcação.

Entre os réus na sentença judicial (Processo nº. 2002.37.00.003918-2), além da União e da empresa Agropecuária Alto Turiaçu Ltda, figura a própria Fundação Nacional do Índio – FUNAI.
Grupo Schahin - A Terra Indígena Awá-Guajá, no Oeste do Maranhão, desde a década de 50 era invadida por posseiros, fazendeiros e madeireiras – época da construção da BR-322. Depois chegariam grupos empresariais ligados a interesses econômicos escusos. Foi o caso da Agropecuária Alto Turiaçu Ltda, pertencente ao Grupo Schahin, que se instalou na região em 1985, apossando-se de 37.980 hectares das terras indígenas.

Na verdade, o Grupo Schahin Cury (que mudou de nome com a saída da família Cury da sociedade) veio para o Maranhão em 1978, a partir da criação da Schahin Corretora de Valores Mobiliários, para investir nos setores agropecuário e madeireiro. Fundado em 1966, o grupo atua nos segmentos financeiro, engenharia, construção civil, incorporações imobiliárias, telecomunicações, concessões de linhas de transmissão de energia, petróleo e gás.

Sua chegada no território Awá-Guajá fomentou o surgimento de milícias armadas, o desmatamento, as carvoarias, a construção de estradas clandestinas, a extração ilegal de madeira e o progressivo extermínio do povo indígena nômade, cuja área, originalmente, deveria possuir 232 mil hectares, incrustados nos municípios de São João do Caru, Zé Doca e Newton Belo, adentrando a Reserva Biológica do Gurupi.

A Agropecuária alega ter adquirido a área em 1982 do Instituto de Terras do Maranhão (Iterma), embora fosse reconhecida desde 1961 como reserva florestal e, em 1985, identificada pela FUNAI como território Awá-Guajá. Quem administrava então a empresa, sediada em Zé Doca, era o ex-presidente da Associação dos Criadores de Gado do Maranhão, Cláudio Donisete Azevedo.

Ligado ao grupo político do senador José Sarney, que controla o Ministério de Minas e Energia, Cláudio Azevedo é presidente do Sindicato da Indústria de Ferro do Maranhão e, em junho deste ano, foi empossado na presidência da Associação das Siderúrgicas do Brasil (Asibras), entidade que representa as indústrias de ferro nos estados do Maranhão, Pará, Minas Gerais e Espírito Santo.

Coincidência ou não, no mesmo ano de 1985 a Companhia Vale do Rio Doce iniciou a construção da ferrovia Carajás, para o transporte de ferro e manganês da serra dos Carajás (PA) até São Luís (MA), atravessando territórios indígenas dos dois estados. Pelo termo de financiamento da obra, a empresa deveria bancar o processo de demarcação, o que não ocorreu no caso dos Awá-Guajá.

“Pouco foi feito para ordenar social e geograficamente a região, mesmo com os vultosos recursos recebidos: cerca de 900 milhões de dólares do Banco Mundial e da Comunidade Européia para a implantação do Projeto Carajás”, registra Rosana de Jesus Diniz, coordenadora regional do Conselho Indígena Missionário - CIMI/MA (Porantim, nº. 317 - ago. 2009).

Cobiça pela terra - Em 1999, a violência recrudesce quando o Grupo Schahin, é “escolhido” para as obras de construção civil e infra-estrutura do Projeto SIVAM (Sistema Integrado de Vigilância da Amazônia), a cargo da Schahin Engenharia Ltda. O grupo paulista, controlado pelos irmãos Milton e Salim Taufic Schahin, passou a encabeçar as demandas de ações judiciais contra a demarcação da área indígena.

Pressões sobre a delimitação da TI Awá-Guajá ocorriam desde 1985, quando foi identificada com 232 mil hectares. Em setembro de 1988, a área indígena diminuiu para 65.700 ha, com a portaria interministerial nº 158, revogando a anterior (nº 76), que declarava posse permanente dos indígenas 147.500 ha. Finalmente, em 27/07/1992, a portaria nº 373, do ministro Celio Borja, estabeleceu 118.000 hectares.

Em outubro de 1992, a Agropecuária Alto Turiaçu obteve liminar favorável em Mandado de Segurança impetrado contra a Portaria nº 373, permanecendo na área. Quando foi iniciada a demarcação, em fins de 1994, com base na mesma portaria, a equipe técnica foi impedida por moradores da região de continuar o trabalho, suspenso por falta de segurança.

O juiz federal José Carlos Madeira, em agosto de 2002, determinou que os trabalhos de demarcação da Terra Indígena fossem reiniciados pela FUNAI, alvo desde 1992 de uma ação cautelar movida pela Agropecuária Alto Turiaçu, que reivindicava a posse de 37 980 hectares situados na terra Awá-Guajá, sem obter êxito.

Seguiram-se várias batalhas nos tribunais e reações da sociedade civil e do Ministério Público, enquanto durou a ocupação das terras pelo grupo paulista, até a Terra Indígena Awá-Guajá ser finalmente homologada pelo Presidente da República em 2005, com 116.582 hectares.

Ou seja, durante todos os processos judicial e administrativo, mais de 115 mil hectares foram subtraídos do território original do povo nômade Awá-Guajá.

Mobilização - Antes de emitir a atual sentença, o juiz federal visitou a Terra Indígena Awá-Guajá e saiu convencido de que a terra estava sendo esquartejada e os índios eram massacrados sob os olhos do Estado. “Trata-se de um verdadeiro genocídio”, ressalta o juiz, que considera este caso mais emblemático do que o de Raposa-Serra do Sol, em Roraima.

Madeira chegou a receber mais de dez mil mensagens por e-mail do Brasil e do exterior com congratulações pela sua atuação no litígio, que acumula ao todo 15 processos (veja quadro). Não obstante a legalização da Terra Indígena, diante da omissão do Estado brasileiro o meio ambiente na região continua ameaçado e o povo Awá-Guajá na mira dos invasores, correndo um sério risco de extinção.

Rosana Diniz enfatiza: “Está anunciado o extermínio de uma região impregnada com a vida e com a diversidade dos povos indígenas, fauna e flora, por meio das carvoarias, pastagens, roubo da madeira e abertura de mais estradas clandestinas. Tudo regado a sangue e morte”.

Mesmo acreditando que a suspensão do TRF/DF não vingará por muito tempo, e diante de uma possível decisão do Supremo favorável aos indígenas, o juiz José Carlos Madeira faz um alerta para que a sociedade civil se mobilize para evitar surpresas, se houver ingerência política em favor dos réus. “Já fiz a minha parte. Agora é a parte política, o povo tem que ir para as ruas”.

Um comentário:

Alice no País das Maracutaias disse...

VALEU FRANKLIN!!! PRECISAMOS DE PESSOAS COMO VC PARA NOS AJUDAR NA DEMOCRATIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO!!
EXCELENTE ESSA MATÉRIA DE CÉSAR!!!
SAUDADES...QUE BOM QUE VC VOLTOU!! BJAUM..acompanho os ecos da sua luta!!!