sexta-feira, 7 de junho de 2013

Artigo - Mylla Sampaio - Porque o feto no útero dos outros é refresco

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Por Mylla Sampaio(*) - via Ímpeto
No dia 05 de junho de 2013, o Estatuto do Nascituro foi aprovado pela Comissão de Finanças e Tributação. O Estatuto ainda precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça antes de ir para o Plenário e depois para o Senado. Tenho fé de que ele será vetado, mas só o fato de ter sido aceito pela Comissão de Finanças e Tributação é assustador, já que envolve um gasto aos cofres públicos com a proposta de auxiliar a mulher vítima de estupro a não cometer o aborto oferecendo um salário mínimo (também conhecido como “bolsa-estupro”) por mês durante 18 anos (caso o estuprador não seja identificado).
O dinheiro investido nesse auxílio às mulheres que não abortarem em caso de violência sexual deveria ser investido numa distribuição gratuita de livros sobre Ciências Políticas para fazer as pessoas entenderem que o Estado não é babá, não é mãe e nem pai.
Quem começou com o projeto? A bancada evangélica, obviamente, que pouco trabalho tem se não puder infernizar a vida alheia.
No mais, uma parcela esmagadora de direitistas e conservadores apoiam essa ideia, como já era de se esperar devido ao retardo mental característico desse grupo, que também é bastante conhecido como “pró-vida” (de quem?).  
A cretinice deles é tão grande que eu já me escuso do trabalho de entendê-los:
Começam militando para que a mulher não tenha o direito ao aborto (seja em caso de risco de vida para a mãe, seja em caso de estupro, seja em caso do feto ser anencéfalo).
Coitadinho do feto (um minuto de silêncio por ele, por favor). Ele não teve culpa de ser sido gerado por uma violência sexual, mas sua mãe teve (com certeza pediu para ser estuprada), portanto ela precisa gerá-lo e lembrar-se do que foi, possivelmente, o pior momento de sua vida, sempre que olhá-lo. E mesmo que ela decida não criar o filho, ela pode coloca-lo para a adoção, porque um orfanato é uma espécie de paraíso.

Então a criança cresce numa família sem condições financeiras e tal família passa a depender dos programas de auxílio do governo. E lá vem o mesmo grupo de cretinos militar contra tais programas (como o bolsa-família), bradando que não querem que o dinheiro dos seus impostos seja investido em programas sociais desse tipo: o dinheiro deles pode ser investido para criar o fruto de um crime hediondo, mas no bolsa família não pode.  
Eu poderia parar por aqui, já que a cretinice e desonestidade é muita e isso me revolta, mas eles não param, não param, não param, não… No quesito cretinice, direitista, fundamentalista religioso, conservador e “pró-vida” se superam a cada dia.
Eis que as crianças crescem em lares sem estrutura financeira ou psicológica, verdadeiros caos e acabam entrando para a criminalidade… Sabe quem aparece agora? Os mesmos cretinos que defenderam tanto um óvulo ou um feto, querendo reduzir a maioridade penal.
“Pró-vida” não é a favor da vida de ninguém. Ser “pró-vida” vem de uma canalhice sem precedentes, de algum tipo de distúrbio mental, de uma falta de empatia pelo gênero feminino (“Tudo o que os homens escreveram sobre as mulheres deve ser suspeito, pois eles são, a um tempo, juiz e parte”, Poulain de la Barre, citado por Simone de Beauvoir no volume I do livro O segundo sexo).
Ontem, 05 de junho de 2013, também tivemos uma notícia boa: Luís Roberto Barroso foi sabatinado e é o novo ministro do Supremo Tribunal Federal. Barroso, constitucionalista, defensor do aborto e do casamento homoafetivo, me dá esperança de um Brasil melhor. Apesar de haver uma quantidade infindável de cretinos caracterizados acima e que podem ser, sim, maioria (“A tarefa mais difícil sempre foi e continua sendo a de criar uma ou mais maneiras de proteger as minorias da tirania da maioria”, em Democracia e desconfiança, de Hart) mas que não tem mais força que o STF, que caminha em passos lentos, porém largos para fazer desse país um lugar mais justo.
Eu não tenho mais estômago, por isso escrevo. Escrevo porque é uma forma de desabafo. Escrevo por ser uma feminista que quer deixar um mundo mais justo pra mulher que eu pretendo carregar no meu ventre daqui a alguns anos.
O Estatuto do Nascituro é um exemplo nítido de misoginia. É um exemplo claro do que a figura feminina significa para quem apoia esse projeto. É um exemplo máximo de como uma teocracia tenta se impor neste país. E é também, lamentavelmente, mais uma agressão que o gênero feminino sofre na sociedade brasileira. 
(*) Mylla Sampaio - acadêmica de Direito (UFMA) e feminista

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